15/03/2020

Torcedoras com deficiência evidenciam luta por igualdade


No Dia da Mulher, Folha relata histórias de resistência em prol da igualdade de gênero e melhores condições às pessoas com deficiência.
“Ser torcedora é onde eu existo”, diz Catharina Galdino
“Ser torcedora é onde eu existo”, diz Catharina GaldinoFoto: Léo Malafaia
A Folha de Pernambuco conversou com torcedoras com deficiência de Santa Cruz, Sport e Náutico. Em meio aos contratempos enfrentados nos jogos, elas contaram um pouco da paixão que fazem de seus clubes uma razão suficiente para viver. “Ser torcedora é onde eu existo”, arrematou Catharina Galdino, logo nos primeiros minutos de conversa. “O dia 8 de março representa um dia de luta. E para mim é diferente, porque tem a questão da integridade física, não só como mulher, mas também como pessoa com deficiência”, completou.
A torcedora de 27 anos tem mielomeningocele, uma má formação congênita na coluna vertebral, que ocorre ainda na gravidez, afetando, entre outras partes do corpo, a medula e os nervos. O músculo das duas pernas dela são atrofiados, as pernas não esticam e algumas partes do corpo perderam a sensibilidade. O cotidiano cercado por idas ao hospital escancaram a realidade carregada pela tricolor, que também luta para afastar qualquer ideia romantizada sobre pessoas com deficiência.
“Não somos heróis. Não é porque eu quero superar, é porque eu preciso. A superação é a única opção”, enfatiza. Como parte do que o destino viria a reservar, escolheu o Santa Cruz como time do coração no que recorda ser um de seus primeiros atos de resistência, ainda muito jovem, na beirada dos cinco anos de idade. “Eu via meu irmão torcendo com o meu pai, toda aquela vibração. Aí, eu decidi: vou ser Santa Cruz”.
A agradável imposição sobre si mesma teve como referência o pai e o avô paterno. “Minha lembrança de infância é meu avô sentado na calçada, no Ibura, com a camisa do Santa, em uma cadeira de plástico escutando o radinho”, descreveu. O medo da violência nos arredores do estádio, entretanto, foi um obstáculo que por muito tempo adiou seu encontro com o José do Rego Maciel, somente até conhecer o Movimento Coralinas - coletivo feminista criado por torcedoras corais. Ela, então, resolveu embarcar em mais um desafio na vida, também como forma de fortalecer eternamente os laços com o pai através do Santa Cruz.
“Fui muito abraçada por todo mundo e é também uma forma de representar meu pai, porque ele não está mais aqui, então eu sou os olhos dele dentro do estádio, vibrando. É como se eu estivesse dando continuidade à história dele. O Santa Cruz foi a herança de maior valor que ele me deixou”.
Invisibilização
O incentivo dentro de casa também foi ponto crucial para a alvirrubra Natália Rosa mergulhar no futebol. Jornalista e pós-graduanda em jornalismo esportivo, a torcedora, que é natural de São Paulo, se identificou como alvirrubra aos nove anos. “Quando eu cheguei aqui comecei a assistir aos jogos e me interessei muito pela história do Náutico. Pela vontade de vitórias do time, pela torcida e meu pai também me incentivou muito”, explicou. Para Natália, se enxergar como torcedora é um desafio.
A jornalista de 28 anos também nasceu com mielomeningocele, e utiliza botas e muletas que a ajudam a andar. Foi também no ano passado que a alvirrubra colocou os pés nos Aflitos pela primeira vez, para a sorte do Timbu, que na ocasião venceu o Afogados por 2x0, pela semifinal do Campeonato Pernambucano. “A maior dificuldade que eu tive foi para entrar no estádio”, relatou. Ela contou que precisou procurar o local de entrada mais acessível e reclamou da falta de empatia e comunicação das pessoas.
“As mulheres com deficiência ainda são muito invisibilizadas, ainda mais em uma sociedade que é tão machista e não nos enxerga como mulheres. Muitos direitos que estamos lutando há anos ainda não chegaram em nós, e no futebol, as pessoas acham que uma mulher com deficiência nunca vai chegar em um estádio”, ressalta. A esse tipo de pensamento, a torcedora do Timbu responde simplesmente vivendo a vida, em uma via única de amor com o time da Rosa e Silva.
"O Sport precisa de mim"
A história das três torcedoras têm um ponto em comum: a figura paterna como incentivadora do gosto pelo futebol. Renata Rangel, 35, uma das fundadoras do Movimento Elas e o Sport, coletivo que luta pelo reconhecimento da presença feminina na Ilha do Retiro, também passou por esse processo. “Meu pai conta que me levou à Ilha aos três anos de idade e, na hora de voltar para casa, eu dizia que queria ficar no cazá, cazá”, relembra aos risos. “Meu grande sonho é fazer ele voltar a frequentar à Ilha”.
Com o passar do tempo, seu companheiro de brasão deixou de ir ao estádio e, consequentemente, a torcedora, que tem artrite reumatóide e desde os nove anda sobre cadeira de rodas, também se viu afastada dos jogos do Leão. “Minhas amigas foram grandes incentivadoras para o meu retorno à Ilha, desde 2014”, diz orgulhosa. Embora os obstáculos sejam lembrados, foi justamente da persistência que Renata tirou forças para conseguir mudanças estruturais na casa leonina. “Em 2015, a área de acessibilidade ficava perto do escanteio das sociais, sendo que a visibilidade do jogo era horrível. Um dia um amigo, também cadeirante, gravou um vídeo mostrando isso. A gente jogou nas redes sociais e o Sport fez uma nova área, que fica no meio das sociais”, exalta.
“É muito importante que eu esteja lá para que o Sport ganhe. É inexplicável o sentimento que eu tenho. Procuro sempre estar ajudando o clube, seja no estádio ou nas redes sociais. Eu sei que o Sport precisa de mim e pronto. Hoje o meu maior obstáculo é aguentar o time (risos)”. O dia 8 de março traz à tona memórias, sentimentos e paixões. No contexto do futebol, é ainda mais uma razão para dar continuidade à luta por igualdade, sem limites para amar o clube que escolheu como seu.
“Ser torcedora é a minha grande vitória pessoal. O Sport é necessário para a minha evolução, como pessoa, como torcedora, para o meu tratamento. É evolução humana”.
Posicionamento dos clubes
Os três estádios da capital recifense possuem espaços reservados para pessoas com deficiência, apesar de não serem suficientes para atender a todos. A estrutura arcaica de Arruda (1972) e Ilha do Retiro (1937), no entanto, não tiram das costas dos clubes a responsabilidade de popularizarem os assentos. Entre os três, os Aflitos é o que contém maior número de espaços, desde a reforma do estádio.
No Arruda, o único espaço reservado fica na área centralizada das sociais. Os demais aposentos do estádio não dispõe da mesma estrutura. Sem revelar detalhes, o diretor da Comissão Patrimonial do Santa Cruz, João Caixeiro, disse que o clube criou um projeto voltado à expansão de espaços de acesso no estádio, agora em análise na Prefeitura do Recife, mas ainda sem prazo para ser aplicado. A entrada para cadeirantes é gratuita. Os demais pagam meia-entrada.
Assim como o José do Rego Maciel, a Ilha do Retiro concentra o único espaço reservado às pessoas com deficiência no setor social. O diretor da Comissão Patrimonial da agremiação rubro-negra, Otávio Coutinho, revelou não existir previsão para que um projeto de expansão dos acessos seja idealizado, tampouco posto em prática. Pessoas com deficiência tem entrada gratuita garantida na casa do Leão.
Com o estádio reformado desde 2019, o Náutico dispõe de dois espaços reservados nas sociais, um em cada extremidade; dois locais no setor vermelho, um no setor Hexa e um espaço no setor Caldeirão. De acordo com o presidente da comissão de reforma do Eládio de Barros Carvalho, Luiz Felipe, o clube está trabalhando “para melhorar as condições dos espaços”.


“Ser torcedora é onde eu existo”, diz Catharina GaldinoFoto: Léo Malafaia.

Fonte  https://www.folhape.com.br/esportes/mais-esportes/geral/2020/03/08/NWS,132708,68,441,ESPORTES,2191-TORCEDORAS-COM-DEFICIENCIA-EVIDENCIAM-LUTA-POR-IGUALDADE.aspx
Postado por Antônio Brito 

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