Pandemia de responsabilidade
“Num ambiente de medo, (…) alguns indivíduos podem lamentavelmente voltar-se para estereótipos raciais e étnicos. Pior, o assédio e o bullying exacerbam o ódio, ferem estudantes e jamais são justificados. Esses incidentes podem criar um clima de desentendimento e temor. Isto machuca a todos nós”.
O alerta acima está numa carta do Departamento de Educação dos Estados Unidos enviada a todos os gestores educacionais do país no início de março. O documento resume as preocupações do governo americano com a pandemia do coronavírus e reforça as recomendações de contenção da doença. Mas não é só isso. Aponta para a necessidade de promover atitudes solidárias e barrar sentimentos e ações discriminatórias na comunidade escolar.
“Instituições de ensino devem tomar um cuidado especial para que todos os estudantes possam estudar e aprender num ambiente que seja saudável, seguro e livre de vieses ou discriminação. A discriminação pode assumir muitas formas, desde assédio verbal a agressões físicas por conta de raça, ancestralidade ou diferenças culturais. Como gestores educacionais trabalhando dentro das nossas respectivas comunidades, nós devemos garantir que este tipo de assédio não seja tolerado”.
A íntegra da carta em inglês pode ser lida aqui. E o conteúdo – adiantamos – é um “pé-de-cantiga” perfeito para um outro debate sobre a crise sanitária: as competências socioemocionais em tempos de pandemia. Que os dias à frente são nebulosos e vão exigir uma enorme capacidade de resiliência, isso os números do contágio e das vítimas já nos indicam a cada novo dia. O Futura ouviu especialistas, educadores, parceiros, que estão atentos e enxergam muitas possibilidades de desenvolvimento não só para estudantes, mas para toda a sociedade.
“A autogestão será fundamental neste momento”.
Inês Miskalo, gerente-executiva de Educação do Instituto Ayrton Senna
O isolamento social deverá exigir capacidade de organização de todos nós. É a avaliação da gerente-executiva do Instituto Ayrton Senna, Inês Miskalo. Com as atividades concentradas em casa, será necessário desenvolver foco nas ações, o que tem efeito pedagógico não só para estudantes, mas para quem quer que esteja em regime de home office, por exemplo.
Para a gerente-executiva, o confinamento e os cuidados preventivos devem produzir outro impacto significativo nas nossas relações. “Vamos ter que aprender a conviver de maneira responsável e engajada: cuidando de si e do outro para um bem maior”.
Inês espera que este comportamento se estenda para as redes sociais, que, nos últimos tempos, foram arena de disputa e intolerância. O Instituto Ayrton Senna adota um modelo com cinco competências socioemocionais principais: autogestão, engajamento com os outros, amabilidade, resiliência emocional e abertura ao novo.
Confira uma outra entrevista que Inês Miskalo fez para o Canal Futura sobre alfabetização e inclusão
“Decisões pessoais afetam o coletivo”.
Anna Helena Altenfelder, presidente do CENPEC
As duas últimas competências gerais da Base Nacional Comum curricular dão uma pista das possibilidades de crescimento que a circunstâncias atuais oferecem. É por esta trilha que a presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, Anna Helena Altenfelder, destaca o valor da empatia e da solidariedade para o sucesso das medidas de contenção do novo coronavírus. “Essa perspectiva da cidadania, neste momento de pandemia, é fundamental”. Ela analisa que o isolamento social deixou de ser uma decisão apenas para o cuidado pessoal e se tornou uma questão de responsabilidade coletiva.
Anna observa como o estoque exagerado de alguns produtos denuncia a falta desta consciência. “Não existe saúde individual sem saúde pública. O fato de as pessoas se sentirem preservadas ou protegidas não exime que elas se preocupem com aquelas pessoas em condições mais vulneráveis que sofrem os efeitos da pandemia”.
A competência geral 9 da BNCC falar em “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação”. E 10: “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”.
“A gente é responsável por criar, na nossa casa, esse espaço seguro para as crianças”.
Tonia Casarin, educadora
Ter consciência das próprios medos e ansiedades. A educadora Tonia Casarinalerta para a maneira como explicamos e compartilhamos informações sobre a pandemia em casa. “Muitas vezes nessa comunicação, a gente traz uma enxurrada de emoções. A gente passa a nossa angústia e todo o nosso estresse. As emoções são contagiosas”. E podem contaminar a convivência.
“Já ouvi relatos de crianças que estão com muito medo; não conseguem dormir, nem se deitar na cama. Acham que tem vírus por toda parte”.
Isso acaba comprometendo a sensação de segurança. Tonia recomenda que os responsáveis perguntem para os filhos que dúvidas eles têm sobre a doença; o que já ouviram a respeito. E, assim, é possível passar as informações que realmente estão sendo demandadas.
Já para os mais crescidos, o momento é para aprender a lidar com as próprias emoções. “Como adultos, a gente precisa de ter um tempo para cuidar de si e ter um pouco mais de flexibilidade”. Para quem puder, a sugestão é ler, ver filmes, seriados e outras atividades que possam trazer tranquilidade.
Quanto ao convívio social interrompido, as redes sociais passam a ter uma função ainda mais importante. “A gente nunca imaginou que a tecnologia fosse ser tão importante assim. A gente sempre reclama que as crianças ficam muito tempo diante da tela. Mas acho que, neste momento, a gente precisa usar a tecnologia a nosso favor”. Videoconferências ajudam a manter minimamente a conexão social. Claro, considerando que este recurso esteja disponível.
“Um bom momento para contar a história da família”.
Claudia Costin, diretora do CEIPE/FGV
Há muito o que pode ser feito e, principalmente, recuperado. A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, Claudia Costin, sugere várias práticas coletivas para as famílias.
“Uma dica boa é trabalhar pequenas tarefas domésticas que nós deixamos de fazer com os pequenos. Vamos ensinar a arrumar a cama; a jogar roupa no cesto; a cozinhar; por a mesa; sempre com supervisão”.
O engajamento no dia-a-dia do confinamento também pode ser estimulado com atividades intelectuais. “Outra coisa boa é reservar 20 minutos para uma leitura em família. Cada um, pai, mãe, crianças, cada um com seus livros. E voltar a ler para crianças à noite antes de dormir”. Nos lares em que as séries de TV fazem parte da rotina, Claudia indica uma conversa mais contextualizada. “Assistir com os adolescentes e comentar a inspiração histórica de cada personagem; trabalhar a empatia com eles”.
As opções são fartas. Se houver internet em casa, visitar museus virtuais é outra experiência rica de exploração do passado do mundo. Conversas sobre os próprios antepassados também podem render momentos interessantes. “Mostrar antigos álbuns de fotografia e contar o que a família fazia em tempos pretéritos”. Imagina as pérolas que vão surgir!!
Mande sugestões para bernardo.menezes@futura.org.br !
“O confinamento nos oferece uma rara oportunidade de autoconhecimento e autocontrole”.
Maria de Fátima de Gabriel, especialista em Educação da Fundação Roberto Marinho
As restrições impostas para conter a pandemia permitem exercitar o princípio da sustentabilidade. A especialista em educação da Fundação Roberto Marinho, Maria de Fátima Gabriel, indica várias possibilidades neste sentindo: “criar um nova função para o brinquedinho que está sem pilha; aproveitar os produtos inusitados para resolver as necessidades de higienização; utilizar de forma consciente e comunitária o tempo dedicado à internet”.
Para Fátima, o momento é relevante para a família toda. “Pais e mães nunca estiveram tão próximos de seus filhos. Na verdade, é uma grande oportunidade de aprender juntos, exercitar capacidades nunca experimentadas em família: participar da organização de novas rotinas em benefício de todos, estabelecer prioridades possíveis e recriar o cotidiano”.
Fonte http://www.futura.org.br/competencias-socioemocionais-em-tempos-de-pandemia-do-coronavirus/
Postado por Antônio Brito
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