25/03/2020

Competências socioemocionais em tempos de pandemia do coronavírus

Pandemia de responsabilidade

“Num ambiente de medo, (…) alguns indivíduos podem lamentavelmente voltar-se para estereótipos raciais e étnicos. Pior, o assédio e o bullying exacerbam o ódio, ferem estudantes e jamais são justificados. Esses incidentes podem criar um clima de desentendimento e temor. Isto machuca a todos nós”.

O alerta acima está numa carta do Departamento de Educação dos Estados Unidos enviada a todos os gestores educacionais do país no início de março. O documento resume as preocupações do governo americano com a pandemia do coronavírus e reforça as recomendações de contenção da doença. Mas não é só isso. Aponta para a necessidade de promover atitudes solidárias e barrar sentimentos e ações discriminatórias na comunidade escolar.

“Instituições de ensino devem tomar um cuidado especial para que todos os estudantes possam estudar e aprender num ambiente que seja saudável, seguro e livre de vieses ou discriminação. A discriminação pode assumir muitas formas, desde assédio verbal a agressões físicas por conta de raça, ancestralidade ou diferenças culturais. Como gestores educacionais trabalhando dentro das nossas respectivas comunidades, nós devemos garantir que este tipo de assédio não seja tolerado”.

Foto: AFP

A íntegra da carta em inglês pode ser lida aqui. E o conteúdo – adiantamos – é um “pé-de-cantiga” perfeito para um outro debate sobre a crise sanitária: as competências socioemocionais em tempos de pandemia. Que os dias à frente são nebulosos e vão exigir uma enorme capacidade de resiliência, isso os números do contágio e das vítimas já nos indicam a cada novo dia. O Futura ouviu especialistas, educadores, parceiros, que estão atentos e enxergam muitas possibilidades de desenvolvimento não só para estudantes, mas para toda a sociedade.

 “A autogestão será fundamental neste momento”.

Inês Miskalo, gerente-executiva de Educação do Instituto Ayrton Senna

O isolamento social deverá exigir capacidade de organização de todos nós. É a avaliação da gerente-executiva do Instituto Ayrton Senna, Inês Miskalo. Com as atividades concentradas em casa, será necessário desenvolver foco nas ações, o que tem efeito pedagógico não só para estudantes, mas para quem quer que esteja em regime de home office, por exemplo.

Para a gerente-executiva, o confinamento e os cuidados preventivos devem produzir outro impacto significativo nas nossas relações. “Vamos ter que aprender a conviver de maneira responsável e engajada: cuidando de si e do outro para um bem maior”.

Inês espera que este comportamento se estenda para as redes sociais, que, nos últimos tempos, foram arena de disputa e intolerância. O Instituto Ayrton Senna adota um modelo com cinco competências socioemocionais principais: autogestão, engajamento com os outros, amabilidade, resiliência emocional e abertura ao novo.

Confira uma outra entrevista que Inês Miskalo fez para o Canal Futura sobre alfabetização e inclusão

“Decisões pessoais afetam o coletivo”.

Anna Helena Altenfelder, presidente do CENPEC

As duas últimas competências gerais da Base Nacional Comum curricular dão uma pista das possibilidades de crescimento que a circunstâncias atuais oferecem. É por esta trilha que a presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, Anna Helena Altenfelder, destaca o valor da empatia e da solidariedade para o sucesso das medidas de contenção do novo coronavírus. “Essa perspectiva da cidadania, neste momento de pandemia, é fundamental”. Ela analisa que o isolamento social deixou de ser uma decisão apenas para o cuidado pessoal e se tornou uma questão de responsabilidade coletiva.

Anna observa como o estoque exagerado de alguns produtos denuncia a falta desta consciência. “Não existe saúde individual sem saúde pública. O fato de as pessoas se sentirem preservadas ou protegidas não exime que elas se preocupem com aquelas pessoas em condições mais vulneráveis que sofrem os efeitos da pandemia”.

competência geral 9 da BNCC falar em “exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação”. E 10: “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”.

“A gente é responsável por criar, na nossa casa, esse espaço seguro para as crianças”.

Tonia Casarin, educadora

Ter consciência das próprios medos e ansiedades. A educadora Tonia Casarinalerta para a maneira como explicamos e compartilhamos informações sobre a pandemia em casa. “Muitas vezes nessa comunicação, a gente traz uma enxurrada de emoções. A gente passa a nossa angústia e todo o nosso estresse. As emoções são contagiosas”. E podem contaminar a convivência.

“Já ouvi relatos de crianças que estão com muito medo; não conseguem dormir, nem se deitar na cama. Acham que tem vírus por toda parte”.

Isso acaba comprometendo a sensação de segurança. Tonia recomenda que os responsáveis perguntem para os filhos que dúvidas eles têm sobre a doença; o que já ouviram a respeito. E, assim, é possível passar as informações que realmente estão sendo demandadas.

Já para os mais crescidos, o momento é para aprender a lidar com as próprias emoções. “Como adultos, a gente precisa de ter um tempo para cuidar de si e ter um pouco mais de flexibilidade”. Para quem puder, a sugestão é ler, ver filmes, seriados e outras atividades que possam trazer tranquilidade.

Quanto ao convívio social interrompido, as redes sociais passam a ter uma função ainda mais importante. “A gente nunca imaginou que a tecnologia fosse ser tão importante assim. A gente sempre reclama que as crianças ficam muito tempo diante da tela. Mas acho que, neste momento, a gente precisa usar a tecnologia a nosso favor”. Videoconferências ajudam a manter minimamente a conexão social. Claro, considerando que este recurso esteja disponível.

Confira outra entrevista de Tonia Casarin para o Canal Futura sobre a importância das competências socioemocionais integrarem os currículos escolares

“Um bom momento para contar a história da família”.

Claudia Costin, diretora do CEIPE/FGV

Há muito o que pode ser feito e, principalmente, recuperado. A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas, Claudia Costin, sugere várias práticas coletivas para as famílias.

“Uma dica boa é trabalhar pequenas tarefas domésticas que nós deixamos de fazer com os pequenos. Vamos ensinar a arrumar a cama; a jogar roupa no cesto; a cozinhar; por a mesa; sempre com supervisão”.

O engajamento no dia-a-dia do confinamento também pode ser estimulado com atividades intelectuais. “Outra coisa boa é reservar 20 minutos para uma leitura em família. Cada um, pai, mãe, crianças, cada um com seus livros. E voltar a ler para crianças à noite antes de dormir”. Nos lares em que as séries de TV fazem parte da rotina, Claudia indica uma conversa mais contextualizada. “Assistir com os adolescentes e comentar a inspiração histórica de cada personagem; trabalhar a empatia com eles”.

As opções são fartas. Se houver internet em casa, visitar museus virtuais é outra experiência rica de exploração do passado do mundo. Conversas sobre os próprios antepassados também podem render momentos interessantes. “Mostrar antigos álbuns de fotografia e contar o que a família fazia em tempos pretéritos”. Imagina as pérolas que vão surgir!!

Mande sugestões para bernardo.menezes@futura.org.br !

“O confinamento nos oferece uma rara oportunidade de autoconhecimento e autocontrole”.

Maria de Fátima de Gabriel, especialista em Educação da Fundação Roberto Marinho

As restrições impostas para conter a pandemia permitem exercitar o princípio da sustentabilidade. A especialista em educação da Fundação Roberto Marinho, Maria de Fátima Gabriel, indica várias possibilidades neste sentindo: “criar um nova função para o brinquedinho que está sem pilha; aproveitar os produtos inusitados para resolver as necessidades de higienização; utilizar de forma consciente e comunitária o tempo dedicado à internet”.

Para Fátima, o momento é relevante para a família toda. “Pais e mães nunca estiveram tão próximos de seus filhos. Na verdade, é uma grande oportunidade de aprender juntos, exercitar capacidades nunca experimentadas em família: participar da organização de novas rotinas em benefício de todos, estabelecer prioridades possíveis e recriar o cotidiano”.

Fonte  http://www.futura.org.br/competencias-socioemocionais-em-tempos-de-pandemia-do-coronavirus/

Postado por Antônio Brito 

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