20/03/2020

Corona: "Pediram isolamento. Vamos nos isolar onde?", diz morador de rua...

Abrigo Boracea, na Barra Funda, onde dormem pessoas em situação de rua

Em um trecho da rua Norma Pieruccini Giannotii, na Barra Funda, sujeira e moradores em situação de rua dividem a calçada com pequenos comerciantes que vendem água e doses e garrafinhas de cachaça.

Pouco antes da fila que se acumula para entrar no centro de convivência do Abrigo Boracea, os irmãos Michael e César* mostram a outras pessoas que estão vivendo nas ruas como estão se cumprimentando em tempos de coronavírus. Sorrindo, tocam os calcanhares. "Se alguém pegar isso aí aqui, fudeu", diz Paulo.

Os dois vivem nas ruas de São Paulo há cerca de um ano. Em 2014, eles deixaram Governador Valadares, em Minas Gerais, para tentar a vida na capital paulista. Conseguiram um emprego na zona cerealista no Brás, mas perderam os postos no ano passado. Desde então, os dois passaram a dormir no Boracea, sobrevivendo com bicos e trabalhos esporádicos, como ajudar no carregamento de um caminhão ou montar palcos de eventos.

De chinelos, com uma calça jeans dobrada na altura do tornozelo e camisa vermelha estampada, César acompanha o irmão na preocupação com a pandemia que atinge o mundo. No albergue, diz ele, o entra e sai é constante: um dia, você está com alguém dormindo ao seu lado, no outro pode ser outra pessoa.

Na porta do albergue, em meio ao acúmulo de pessoas para almoçar no centro de convivência, uma funcionária admite:

"Eu sei que isso aqui está errado, mas não tenho o que fazer"

Beliches e vagas escassas

O Abrigo Boracea é um dos maiores de São Paulo. Lá dormem, todos os dias, cerca de 1.200 pessoas que não têm onde morar. Elas são acomodadas, na maioria dos casos, em beliches. Convalescentes (pessoas que estão passando por alguma recuperação em termos de saúde) e pessoas com deficiência têm alas específicas, com camas individuais. As vagas, segundo relatos, são escassas, e o albergue está sempre lotado.

O Censo da População de Rua estima que pouco mais de 24 mil pessoas vivam nas ruas de São Paulo. O número é considerado subnotificado pelas organizações que tratam do tema. Mesmo levando em consideração este valor, que não reflete a realidade, a prefeitura dispõe de 17 mil vagas, ou seja, há um déficit de pelo menos 7.000 pessoas.

Dentro do centro de convivência e do albergue, alguns funcionários utilizam máscara e o álcool gel é disponibilizado. Prefeitura e governo do estado, entretanto, não têm planejamento concreto para atender as pessoas em situação de rua. A reportagem apurou que o albergue na Barra Funda, por exemplo, vem questionando a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, mas não há resposta.

O temor é que máscaras e álcool em gel acabem. "Estamos aguardando uma posição da secretaria. Temos aqui só os produtos que usamos normalmente, não chegou mais. Ontem, 10 litros de álcool em gel foram utilizados em uma hora e meia, nesse ritmo vai acabar tudo", disse um funcionário.

"A precariedade já é constante aqui. Não teve conversa, não teve uma assembleia para orientar as pessoas em situação de rua. A orientação, quer dizer, os produtos foram só para os funcionários. Nós ainda não sabemos o que fazer, nem como vai ser no futuro. Nossa preocupação é com os idosos", relata Átila Robson Pinheiro, 57, conselheiro do Comitê de População de Rua (PopRua).

"Hora de sair do Twitter"

Em uma rua miúda na região da Luz, centro de São Paulo, uma casa de paredes esverdeadas acolhe diariamente 222 pessoas em situação de rua. O espaço é focado nos "adultos com autonomia", pessoas que são responsáveis em questões como trabalho e higiene pessoal. No dia em que a reportagem esteve no local, todas as vagas já estavam preenchidas. Lá, também há uma mistura de nervosismo e desinformação.

"A cada 30 minutos chega uma coisa nova. Ainda não temos uma posição concreta do poder público. Se alguém aqui apresenta sintomas, ou faz o teste e dá positivo, onde eu vou colocá-lo para fazer quarentena? Estamos preocupados", diz Mauro Pereira da Silva, gerente do albergue Portal do Futuro.

"Estamos um vivendo um momento político de precariedade dos serviços públicos, incluindo a saúde. Agora, não é hora de politizar a situação, de falar em esquerda ou direita. É hora de tomarmos atitudes, principalmente em relação aos mais vulneráveis. Faço um apelo ao poder público: sejam mais ágeis. Tá na hora de sair do Twitter", afirma Mauro.

"Prefeitura deveria garantir lugares públicos para lavar as mãos. Na praça Julio Prestes, as torneiras estão quebradas. Também deveria ter distribuição de álcool em gel para as pessoas. Mas não tem nem para os assistentes sociais, imagina para quem vive na rua", diz Falcone.

"Eu atendi um paciente que teve contato com alguém contaminado, e fui afastado. Sou contratado, tenho um emprego em Guarulhos. Tenho condições de fazer quarentena. E as pessoas em situação de rua, como vão fazer?"

Outro lado

Procurado, o governo do Estado afirmou que "os programas que tratam dos moradores de rua são de responsabilidade da prefeitura".

Já a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) diz que "os serviços conveniados à pasta estão intensificando os cuidados com a higiene, como lavar bem as mãos com água e sabão, cobrir a boca e o nariz ao tossir e espirrar, evitar tocar os olhos, e orientações de não compartilharem objetos de uso pessoal".

No próximo sábado, o Centro de Convivência É de Lei realiza uma ação para conscientizar a população em situação de rua sobre os riscos e sintomas do novo coronavírus. O centro também está arrecadando doações de álcool em gel, sabonete e outros itens de higiene. Mais detalhes podem ser lidos aqui..

Fonte  https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/03/20/pediram-isolamento-vamos-nos-isolar-onde-diz-homem-em-situacao-de-rua.htm

Postado por Antônio Brito 

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