25/03/2020

Coronavírus e suspensão de aulas: com a palavra, os professores


A professora Elen Ferreira, da rede municipal do Rio de Janeiro, concorda que é hora de pensar na coletividade e aproveitar para dar exemplos. (Foto: Acervo Pessoal)





Suspensão de aulas por pelo menos 15 dias
As aulas começaram a ser suspensas em alguns municípios e estados brasileiros a partir do dia 11 de março, quando avançaram os casos de contaminação pelo novo coronavírus. Em locais onde as atividades escolares permaneciam, o cenário mudou quando a disseminação do vírus pelo país passou a ser inevitável. Foi o caso da região Norte, a última a apresentar registros de contaminação. No dia 17/03, o governo do Mato Grosso do Sul, por exemplo, determinou a suspensão das aulas por 15 dias. Ainda não se sabe se este período será suficiente para conter o avanço do vírus, mas foi o tempo estipulado por gestores públicos para avaliar a situação.
Algumas instituições, como a Unicamp, em São Paulo, optaram por já anunciar a paralisação das atividades por mais tempo: até o dia 12 de abril. No Rio de Janeiro, o governador Wilson Witzel determinou que o período sem aulas fosse considerado antecipação das férias escolares de julho. Mas como os professores estão encarando este momento de espera e dúvidas? O que imaginam sobre o retorno do ano letivo, quando todo esse momento difícil passar? Foi o que o Futura foi saber com alguns deles.

Com a palavra, os professores

Para a Gina Vieira Ponte de Albuquerqueprofessora da Educação Básica na Secretaria de Educação do Distrito Federal, a suspensão de aulas assim que os casos de coronavírus começaram a surgir foi uma decisão muito acertada, porque, segundo ela, estamos vivendo um cenário novo.
“Em 29 anos de profissão, não me lembro de termos lidado com uma situação similar a essa. É mais prudente evitar que a doença se propague, do que ter que lidar com hospitais super lotados e sem condições de atender às vítimas. Diante do risco à vida das pessoas, todo o resto torna-se secundário.”

“Em 29 anos de profissão, não me lembro de termos lidado com uma situação similar a essa.”

A professora Elen Ferreira, da rede municipal do Rio de Janeiro, concorda que é hora de pensar na coletividade e aproveitar o momento para dar exemplos.
“Apesar de ser preocupante suspendermos as aulas sem a expectativa real de um retorno, a decisão de recolhimento é acertada. É preciso flexibilizar nosso entendimento sobre individualidade e coletividade para conseguirmos resguardar nossa saúde e cuidar dos nossos mais velhos, que são os mais atingidos letalmente com a infecção viral. É um momento de construirmos uma educação coletiva e sinalizarmos para as crianças e jovens através das ações, quais são os valores que mais nos importam à sobrevivência social. ”

Elen acredita ainda que a situação que o país vive nos dá a oportunidade de refletir  sobre questões sociais urgentes.
“É importante apontar questões outras que prejudicam a possibilidade de nossas alunas e alunos e demais pessoas seguirem orientações radicais como as apontadas neste momento, dentre elas: a miséria que assola nosso país e deixa ainda mais vulnerável à fome crianças e adultos; a denúncia exposta sobre a necessidade de investimentos em saneamento básico, pois neste momento há milhões de pessoas sem acesso à água limpa; e, mais do que nunca: a necessidade de coletivamente lutarmos pelos investimentos reais em Ciência e Tecnologia, através de nossas universidades públicas, bem como a defesa do Sistema Único de Saúde que, inclusive, atende majoritariamente nosso alunado na escola pública.”

“A miséria que assola nosso país e deixa ainda mais vulnerável à fome crianças e adultos (…) neste momento há milhões de pessoas sem acesso à água limpa”

O professor Luís Paulo Borges leciona no Colégio de Aplicação da UERJ (CAp-UERJ), no Rio de Janeiro, e ainda estava se preparando para iniciar o ano letivo em 2020. A escola passou por paralisações e vinha ajustando o calendário. A pausa devido ao novo coronavírus, se for prorrogada além dos 15 dias, pode mexer bastante com todo o planejamento escolar. Mas, para ele, nesse momento, o cuidado com a vida é mais importante.
“Creio que foi uma decisão emergencial e acertada. Estamos enfrentando algo, em parte, desconhecido e que se propaga com uma rapidez enorme. Dessa forma, perceber uma ação do Estado no momento inicial da pandemia é de grande importância. Não é fácil ficar em casa o tempo todo, confesso. Porém o momento é de pensar coletivamente, pensar na realidade do sistema público de saúde que vem sendo, há muito, sucateado. Precisamos pensar como o SUS é importante e qual o papel das universidades na produção de conhecimento científico.”


O professor Luís Paulo Borges, que leciona no Colégio de Aplicação da UERJ (CAp-UERJ), ainda não tinha iniciado o ano letivo 2020. (Foto: Acervo Pessoal)

Preocupação com o ano letivo

A interrupção das aulas para garantir a segurança não só de alunos, educadores, mas de toda uma comunidade é algo inquestionável, mas é natural a preocupação com o ano letivo. Mesmo no caso de professores que conseguem manter alunos em atividades remotas, até o momento não há oficialização dessas iniciativas como dia letivo. O estado de São Paulo, por exemplo, que, atualmente enfrenta o pior cenário da pandemia de coronavírus dentro do país, estuda uma proposta de aulas à distância. Mas, enquanto isso não acontece em outros municípios e estados, resta aguardar as decisões futuras de acordo com o comportamento do novo coronavírus no Brasil.
Nos casos em que a suspensão das aulas por 15 dias foram considerados uma antecipação de férias, como no Rio de Janeiro, há pais e professores que questionam a medida. A Lei de Diretrizes e Bases prevê 200 dias letivos de aula e a adaptação deste calendário em casos de situação de emergência. Para o professor da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro, Rafael Santana, logo que o anúncio foi feito pelo governo, houve reprovação por parte dos docentes.
“Essa medida foi muito mal vista pela maioria dos professores. Esperávamos que, dada uma situação atípica como a do coronavírus, o calendário fosse suspenso agora e prorrogado quando a normalidade retornasse. As férias do meio do ano são fundamentais para os professores e alunos. É um período para avaliar o que foi feito, planejar mudanças e correções com calma. Avaliar o progresso e situação dos alunos que precisam de mais atenção. Enfim, é um período necessário. Na visão da maioria dos professores com que conversei, a expectativa era de que o ano letivo seria diminuído ou prolongado até janeiro, fevereiro…”
O professor Luís Paulo Borges concorda que é “um debate intenso”.

“Não estamos antecipando as férias, mas estamos vivendo um momento de calamidade.”

“Existe uma leitura que não estamos antecipando as férias, mas estamos vivendo um momento de calamidade. A LDB prevê que em casos específicos tenhamos que repensar o calendário escolar. Estou acompanhando o debate, sobretudo, a partir das leituras do sindicato. No momento o foco é ficar em casa e atender as demandas propostas pelo Estado.”
Mas, para além das preocupações com férias, existe a retomada de um ano letivo já abalado não apenas no calendário, mas em seu contexto emocional. Ao reabrirem, as escolas receberão alunos que passaram longo período dentro de casa, vivenciando uma pandemia mundial.
“Será preciso acolher e escutar. A escola é maior do que um campo transmissor de conhecimento: ela produz, apresenta, reconhece saberes diversos e provoca sua comunidade a construir caminhos outros de aprendizagem que possam nos conduzir a respostas satisfatórias àquilo que nos angustia.”, destaca a professora Elen Ferreira.
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E o Enem, como fica com a suspensão de aulas?

Já para o professor Rafael Santana, que leciona para o terceiro ano do Ensino Médio, existe uma preocupação extra: o Exame Nacional do Ensino Médio e os vestibulares.
“Se o calendário não for prolongado e a proposta for uma reposição aos sábados ou vídeo aulas online, acho que será uma perda enorme para os alunos. Pois, aos sábados, alguns alunos não conseguem comparecer, os tempos não são na mesma quantidade, ou seja, é preciso comprimir ou suprimir os conteúdos. Se a proposta for vídeo aulas durante o recesso, também acho complicado, porque há alunos sem internet em casa, os professores não possuem a experiência de videoaulas, e, principalmente, perde-se o fundamental de uma aula que é a troca entre os alunos e o professor sobre o conteúdo. O ideal é que os exames fossem adiados também e acompanhassem o novo calendário para o ano letivo. Mas acho difícil que isso ocorra. Logo, será preciso repor as aulas antes das provas do Enem  e dos vestibulares.”

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Mas, antes de pensar no futuro, que só será resolvido com base no tempo que as aulas serão suspensas, é preciso pensar no agora. E, para a professora Gina Vieira Ponte de Albuquerque, o momento é de trabalhar a cabeça das crianças para o que está acontecendo.
“Acredito que a prioridade é conversar com as crianças. É importante atuar para que aqueles estudantes e famílias que ficam mais vulneráveis por não estarem na escola sejam assistidos de alguma maneira. No futuro, cada unidade de ensino, em interlocução com os diferentes segmentos- pais, mães, estudantes, professoras, professores, secretarias de educação- encontrarão as melhores soluções. A hora é de tranquilidade e de cooperação com as autoridades médicas que estão nos orientando.”
Fonte  http://www.futura.org.br/coronavirus-e-suspensao-de-aulas-com-a-palavra-os-professores/
Postado por Antônio Brito

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