Muitas são as terapias indicadas para crianças com autismo, sendo uma delas a musicoterapia. Esta técnica é bastante interessante, pois consegue trabalhar de maneira efetiva os aspectos sociais e emocionais de jovens, crianças e adultos, sejam eles autistas ou neurotípicos.
Já faz um tempo que eu queria tratar deste assunto aqui no meu blog e fazendo algumas pesquisas e ministrando palestras, conheci a Meiry Geraldo, uma musicoterapeuta que desenvolve um trabalho muito bonito com musicoterapia em Belo Horizonte e aplica as técnicas também em casa, com seu filho Artur, de 14 anos.
Já para iniciar o assunto, Meiry me deu a definição de musicoterapia, com base na Federação Mundial de Musicoterapia Inc. 1996:
Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar, e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas.
A Musicoterapia visa desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do indivíduo para que ele possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida, pela prevenção, reabilitação ou tratamento.
Pareceu confuso? Calma, o papo com a Meiry Geraldo ficou bem didático. Para facilitar a leitura, montei o artigo em formato ping-pong para vocês acompanharem direitinho. Espero que gostem!
Tiago Toledo: Você me passou a definição de musicoterapia com base na Federação Mundial da Musicoterapia. Mas quando os pais perguntam exatamente o que você faz, como explica esta técnica para eles de forma simples?
Meiry Geraldo: Bem, um musicoterapeuta irá utilizar os sons e os instrumentos musicais e a música em toda sua potência e composição (ritmo, melodia, harmonia) para oferecer um tratamento que possa desenvolver e evoluir o paciente dentro das suas necessidades terapêuticas.
TT: Você acha que a musicoterapia já é uma profissão bastante conhecida pela população?
MG: Essa pergunta é muito importante. Encontro pessoas que falam: “Eu faço musicoterapia em casa. Coloco uma música e relaxo”. Ok, a música por si só tem uma grande influência em todos nós. Uma música pode nos trazer lembranças boas, pode nos fazer suspirar, nos emocionar, fazer com que nos mexamos (isso aliás é bem utilizado pelas academias). Quando uma pessoa diz que ouve música e relaxa, ela realmente percebe este “poder” e se beneficia disso. Mas isso não é musicoterapia.
TT: Qual a diferença da musicoterapia trabalhada com pessoas neurotípicas e com pessoas diagnosticadas com TEA?
MG: No meu ponto de vista, não há diferenças. Todos somos seres singulares. Logo, o que irá variar são as demandas terapêuticas. Normalmente o problema dos autistas está relacionado com a comunicação e interação social, levando o musicoterapeuta a focar mais nestes aspectos.
No entanto, há outras comorbidades ligadas ao autismo, como o X Frágil (doença genética hereditária responsável por casos de deficiência intelectual), por exemplo. E, neste caso, além das dificuldades de comunicação e interação social, haverá outras necessidades, entre elas as dificuldades na coordenação motora.
Já as pessoas neurotípicas irão buscar a musicoterapia por ansiedade, angústias, problemas de relacionamento, depressão etc.
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TT: Como é definida a demanda terapêutica da musicoterapia?
MG: Há uma entrevista inicial, uma avaliação, a criação de uma interação musical entre o paciente e o musicoterapeuta e a avaliação final. Através da entrevista e avaliação inicial, o musicoterapeuta irá conhecer o universo sonoro do seu paciente, ou seja, identificar quais são suas preferências musicais, se há uma sensibilidade auditiva, questões sensoriais, problemas motores e que tipo de instrumentos o atrai. Feito isso, são definidos os objetivos a serem alcançados.
TT: Quais os benefícios da musicoterapia para pessoas com TEA?
MG: Os principais benefícios que eu vejo são: melhora na interação social, na comunicação e no desenvolvimento da linguagem. Lembrando que o desenvolvimento da linguagem é muito variável e depende do espectro autista. A atenção, concentração, imitação, memória, coordenação motora grossa, fina e oral, sensibilidade auditiva e questões sensoriais também são desenvolvidas nas sessões de musicoterapia e trazem ganhos para esta população.
TT: Você tem um filho diagnosticado com TEA, certo? Como é a relação dele com a música?
Sim, um dos meus filhos tem TEA, o Artur, de 14 anos. Ele é gêmeo com minha filha Sara. Há uma relação interessante do Artur com a música. Logo que aprendeu a mexer no YouTube, colocou sozinho o CD do Shrek e se divertia ouvindo. Na época da gestação eu ouvia muito esse CD e cantava para eles. Aqui vemos a comprovação dos estudos da memória auditiva da criança ainda na vida intrauterina. Até hoje não sei como ele achou esse CD no YouTube.
Mas isso não acontece apenas com Artur. Em geral, não somente as pessoas com TEA, mas todo tipo de pessoa tem uma ligação com a música. A criação do nosso vínculo com a música começa durante a gestação, ainda na barriga da mãe. A voz materna e o batimento cardíaco também são reconhecidos pelo bebê. Há muitos relatos de mães que cantam para seus bebês ainda no útero e, após o nascimento, ao ouvir o som da voz da mãe, mesmo sem cantar, ou só por serem colocados no colo, perto do coração da mãe, eles se acalmam.
TT: Artur é um autista não-verbal. De que forma a musicoterapia facilita a comunicação dele?
MG: Algumas vezes ele usa a música para nos mostrar o que ele não consegue expressar verbalmente. Um destes momentos musicais mais marcantes foi quando ele retornou à escola. Colocou em seu computador a música do Sid, o Cientista, que dizia o seguinte: “Te amo mãe, você é da hora, mas é que agora tá na hora da escola”. Em outra ocasião foi a vez da música “Parabéns a Você”. Na época do seu aniversário, Artur encontrou um vídeo, cujo título era: “Parabéns, príncipe Arthur”. Esse é um vídeo de um menino pequeno que mostra a hora em que cantam “Parabéns a você”.
Artur gosta também de fazer mixagens. Ele costuma filmar trechos de vídeos do YouTube. Nestes trechos ele repete o som, faz efeitos de “trêmulo” com a barra e espaço do teclado do computador e junto faz seus sonzinhos. Ele é o nosso DJ!
TT:- A partir de qual idade é possível trabalhar a musicoterapia com crianças diagnosticadas com TEA?
MG: Como a musicoterapia é uma terapia não-verbal, é muito indicada para bebês. Há musicoterapeutas que trabalham com bebês a partir dos seis meses. Outros iniciam a musicoterapia com gestantes e continuam o processo após o nascimento. Em se tratando de autismo, sabemos que quanto mais cedo estimularmos uma criança com esse diagnóstico, melhores serão os resultados do seu desenvolvimento. Por isso, o tratamento contínuo e precoce é essencial para sua qualidade de vida. Em consultório eu já trabalhei com crianças a partir de dois anos e meio.
– Existe uma periodicidade e um lugar específicos para utilizar a musicoterapia com pessoas com TEA?
MG: Sim, como mencionei na pergunta anterior, o tratamento contínuo e precoce é essencial. E com a musicoterapia não poderia ser diferente. Hoje na literatura científica, nos tratamentos realizados com a ciência ABA e com os métodos Denver e Son-rise, todos indicam uma duração média de 20 a 40 horas semanais. O que acontece na musicoterapia é que, normalmente, o paciente faz uma sessão de 50 minutos uma vez por semana. Já houve casos em que um paciente fazia duas vezes por semana.
Com referência ao local, hoje eu atendo em consultório e em domicílio. Posso afirmar que ambos funcionam. No entanto, vale ressaltar que um ambiente com muitos estímulos pode desviar a atenção da criança e dificultar a terapia. Portanto, preparar o ambiente é fundamental para o tratamento.
TT: Em entrevista ao programa Mundo Autistavocê disse que a música pode fazer mal também! Como essa questão é trabalhada no autismo?
MG: Sim, é verdade, a música pode nos causar desconforto, nos irritar, causar tensão nervosa, fadiga, monotonia entre outros casos. Há também a epilepsia musicogênica, que pode ser desencadeada por músicas ou sons. Trata-se de uma forma rara de epilepsia, mas pode acontecer.
No livro: “Manual de Musicoterapia” de Rolando O. Benenzon, há um capítulo explicando o uso inadequado da música e suas contraindicações. Inclusive ele diz que a utilização da audição passiva da música, sem um musicoterapeuta, de forma inadequada ou exagerada, não é recomendada para os autistas, uma vez que o papel da música, neste caso, poderia reforçar um comportamento de mais isolamento, sem a devida interação social.
– Como os pais, em casa, podem prolongar os benefícios que a musicoterapia oferece?
MG: A estimulação sonora feita em casa pelos pais pode, sim, auxiliar no processo de desenvolvimento cognitivo das pessoas diagnosticadas com TEA. Se a mãe cantar e fizer atividades lúdicas, indicadas pelo musicoterapeuta, será de grande auxílio, pois a música estimula nossas conexões cerebrais e, com isso, conseguimos fixar o aprendizado.
TT: Como é a sua relação com seus três filhos em casa (Natan, de 19 anos e os gêmeos, de 14 anos)? Todos eles são atraídos pela música?
MG: Olha, desde criança eu gostava de música e repassei essa paixão para meus filhos. Meu disco preferido na época era o da “Pantera Cor De Rosa”. Aos nove anos, minha mãe me colocou para aprender piano e aos 15 anos eu já tocava no grupo de jovens da igreja e comecei também a tocar em casamentos.
Quando nos mudamos para Belo Horizonte, em 2008, eu ficava e casa. Natan optou por fazer violão e Artur e Sara, com pouco menos de três anos, tinham toda estimulação sonora que eu podia oferecer. Lembro-me de momentos deliciosos em que eu colocava vários instrumentos para eles tocarem e ficávamos os quatro tocando juntos na sala. Tinha teclado, flauta, bongo, reco-reco, triângulo, agogô, pandeiro, pau-de-chuva, entre outros.
O tempo passou e sempre estimulei Artur. Ele ama música, ouve o dia inteiro e repete, repete… A musicoterapia entrou na vida de Artur quando retornei à minha profissão. Eu o estimulava regularmente alternando em atividades ligadas ao ABA – Applied Behavior Analysis (Análise do Comportamento). Artur não é muito de tocar, mas seu instrumento preferido é o bongô.
TT: Você acha que, atualmente, os pais conseguem dar o valor que a musicoterapia merece?
MG: Eu penso que os pais, ao terem o diagnóstico, se questionam: “O que eu devo fazer?”, “Qual o melhor caminho?”, São muitas as terapias indicadas. Há fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicoterapia, equoterapia, musicoterapia. No final, acabam optando pelo que conseguem levar e pagar. Os tratamentos são caros, muitos não são ofertados pela rede pública ou, se são, é difícil conseguir uma vaga, e nos planos de saúde acontece a mesma coisa. Muitas famílias têm que lutar na justiça para que os planos de saúde custeiem os tratamentos.
Neste âmbito, uma rede social de mães de autistas pode auxiliar dando dicas e falando de suas experiências com os profissionais. Ano passado participei de um projeto elaborado por uma mãe, Catiane Ferreira Gomes, que organizou um livro chamado: “Unidas Pelo Autismo”. Neste livro, 10 mães, inclusive a Catiane e eu, contam a história dos seus filhos após o diagnóstico de autismo.
TT: Quem deseja seguir esta carreira, seja para tratar de pessoas neurotípicas ou diagnosticadas com TEA, por onde começar?
MG: Felizmente, hoje já se fala muito sobre a musicoterapia. Muitas vezes, durante minha jornada, quando as pessoas perguntavam minha profissão, e eu dizia que era musicoterapeuta, elas me olhavam com um ponto de interrogação e perguntavam: “Mas existe uma faculdade disso?”. Sim, existe faculdade. A musicoterapia hoje é oferecida tanto no curso de graduação como de pós-graduação. As informações podem ser encontradas no site da UBAM – União Brasileira das Associações de Musicoterapia.
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Fonte https://www.esporteeinclusao.com.br/autismo-infantil/como-a-musicoterapia-ajuda-no-desenvolvimento-de-pessoas-com-autismo/
Postado por Antônio Brito