Pelo fato de a família estar de quarentena, Vicente tem passado muitas horas em casa e repetindo esse comportamento. Incomodados com o barulho e sem saber dessa condição, os vizinhos da moradora de Taquara, no Rio Grande do Sul, resolveram atacá-la num grupo de WhatsApp, e entre outras coisas, sugeriram que ela deveria morar num sítio.
Logo no primeiro momento, Vanessa explicou as razões do comportamento do filho, mas as reclamações no grupo continuaram. A conversa foi compartilhada por Vanessa em sua página no Facebook, que até sexta-feira (24) teve mais de 900 compartilhamentos.
Tudo começou na noite de sexta-feira da semana passada (17), quando passava das 22h e o menino corria pela casa. No grupo formado pelos moradores do condomínio, que tem 12 apartamentos numa área nobre de Taquara, algumas pessoas reclamaram do barulho. Vanessa afirma que aproveitou a situação para explicar a condição da família, que morava ali havia pouco mais de um ano.
Ela fala, inclusive, que sugeriu filmes que relatam histórias de pessoas autistas.
"Inicialmente uma vizinha disse que estava tentando entender, mas no final da conversa afirmou que cada um tem seus problemas, como se o Vicente fosse um problema meu, quando na verdade a inclusão e sensibilidade são uma questão da sociedade como um todo", ensina.
Vanessa conta que, para encerrar o debate sem maiores transtornos, sugeriu que a vizinha enviasse um vídeo ou áudio do momento em que o filho estivesse incomodando para ela mostrar à criança o que estava acontecendo, e tentar assim ensiná-la a não incomodar as pessoas.
Mas, quatro dias depois, a vizinha começou a imitar todo som que Vicente emitia. Se ele batesse a perna, ela também fazia. Vanessa então disse que podiam ficar sossegados porque providenciaria a sua mudança: "Eu disse que de intolerância e preconceito quero distância".
Alguns outros moradores se posicionaram a favor da vizinha, e começaram as ofensas contra Vanessa. "Qualquer pessoa que desrespeitar as normas haverá algum comentário ou4r chamada de atenção! No meu ver não é nada de preconceito!", minimizou uma. "Tem pessoas que não se adaptam e talvez não seja recomendado morar em apartamento. Por isso graças a Deus tem casas, sítios", disse outra. "Agora aparece mais uma e se faz de vítima. E sempre é só um lado que tem que entender, compreender e exercer tolerância", decretou uma terceira.
Desde essa troca de mensagem, ocorrida no último dia 21, Vanessa, o filho e o marido estão morando na casa dos pais dela. Em meio à quarentena, o casal busca um outro local para morar. O menino, ela conta, tem chorado com saudade de casa. Ela mesma afirma que passou um dia chorando, e foi consolada pelo menino.
"Vamos ficar onde nos sentimos mais seguros. Não quero expor meu filho a esse tipo de situação. A gente é muito privilegiado porque consegue ter uma estrutura para ele. Meu filho tinha atendimento com terapeuta, psicólogo e psicopedagoga, mas parou por causa da quarentena. E isso que tentei explicar aos vizinhos: que era temporário. Agora, imagine quantas famílias estão sofrendo, sem saber o que fazer?"
Vanessa fez um boletim de ocorrência contra as três moradoras, por discriminação. Ela se baseou no Estatuto da Pessoa com Deficiência, que diz em suas linhas que "a pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante".
Fez ainda uma reclamação formal na administradora do condomínio, e solicitou ao Conselho Tutelar do município que emitisse um comunicado lembrando aos condomínios que a lei federal que protege as pessoas com deficiência está acima do estatuto estabelecido pelos empreendimentos.
"Elas poderiam ser obrigadas a escutar palestras sobre o tema, ou trabalhar com pessoas com deficiência para aprender a respeitar", sugere Vanessa.
Em nota publicada no site, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul manifestou apoio e solidariedade à Vanessa.
"Esta família sofre preconceito em razão da deficiência, conduta imputável como crime na legislação nacional (Lei Brasileira de Inclusão - 13.145/2015). Foi pressionada a deixar o apartamento, como em outros casos, pelo 'incômodo' e pretenso desrespeito às normas condominiais, estipuladas em convenção de condomínio. Isto porque pessoas autistas podem falar sozinhas, ter falas repetidas, emitir barulhos e gritos, caminhar incessantemente. Essas e outras condutas são formas de regulação. Não são falta de educação ou limites, nem intenção de agredir a coletividade", informa o texto.
Fonte https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/04/25/mae-de-menino-autista-sofre-ataques-de-vizinhos-.amp.htm
Postado por Antônio Brito
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