30/04/2020

Sexualidade no autismo: entenda as dificuldades de se relacionar e saiba como ajudar no processo


A sexualidade ainda é um assunto considerado tabu, e isso não é diferente no universo do autismo. Ao passo que pais de crianças e adolescentes neurotípicos estão acostumados a lidar com as curiosidades e descobertas que o tema implica, famílias de pessoas no espectro autista podem ter dificuldades em auxiliá-los nesse processo.

Produções como o filme Adam (2009) e as série Atypical (2017-presente) e The Good Doctor (2017-presente) já abordaram o tema. No entanto, apesar de relacionarem sexualidade somente ao ato sexual, especialistas dizem que esse é apenas um aspecto do contexto, e que assim como todo tipo de manifestação (social, cultural, econômica etc), se apresenta de maneira diferente em cada indivíduo.
“A sexualidade tende a se manifestar comumente por volta da puberdade, e no autismo não é diferente. Porém, o que precisamos compreender é que a sexualidade vai muito além da relação sexual, mas sim, uma forma de expressão de si”, explica o psicólogo Vinícius Bernardes Jerônimo.

Filme Adam aborda a sexualidade (foto: reprodução/ Google)

Sobre primeiras relações

Carol Souza tem 26 anos e recebeu diagnóstico tardio de autismo. Atualmente solteira, ela já teve dois relacionamentos amorosos, o primeiro namorado e o primeiro beijo aconteceram aos 23 anos, e durou 9 meses. “Nos aproximamos porque ele era amigo de pessoas do centro espírita que frequento, e como temos gostos muito parecidos, essas pessoas acharam que daríamos certo”, lembra.
A jovem comenta que o ex era tímido e fã de The Big Bang Theory (uma das séries na qual Carol é hiperfocada). Por isso, se sentia a vontade para conversar com ele. Mas não nega que se sentiu mal quando deu o primeiro beijo.
“Horrível. Eu tenho dificuldade com toque, não gosto muito de beijos e carinho e prefiro ficar sozinha. Por isso também que acabou terminando, visto que ele queria uma aproximação maior e eu tinha dificuldade “, pontua.
Ela ainda explica que, após o primeiro beijo, conversou com o rapaz, e ele respeitou sua decisão de não querer mais esse tipo de contato.
Já o segundo relacionamento foi mais curto – um mês –, e também acabou chegando ao fim devido à dificuldade da jovem ser tocada. “Eu disse a ele que sou assexual, não me interesso em ter relações sexuais e como ele se interessa, não havia como continuar”, conta.


Como trabalhar a sexualidade em autistas severos?

Ensinar sobre sexualidade para pessoas com autismo já não é fácil, mas quando lidamos com o autismo severo, essa realidade pode ser bem mais complicada. Ao passo que muitos não desenvolveram a linguagem oral, tampouco aprendem alguns traquejos sociais que são esperados.
Para casos assim, Vinícius indica algumas etapas a serem levadas em consideração no processo.
  • Respeitar o tempo e a condição de cada pessoa;
  • Trabalhar em casa e em terapia comportamental e treino de habilidades sociais, instruções sobre como se comportar em cada situação e em cada lugar, sem polemizar, mas de modo a ensinar sobre a hora e o lugar certo para cada ação, inclusive comportamento sexual.
  • Trabalhar o manejo de comportamentos indesejados, com o objetivo de diminuir a frequência que esses comportamentos acontecem;
  • Ensinar a criança, desde cedo, a respeitar o seu próprio corpo e os corpos das outras pessoas. Trabalhar noções de respeito, privacidade e diversidade, ensina-las a diferenciar carinhos de toques e ações abusivas, e instruir a criança inclusive, a contar a um responsável caso isso venha a acontecer;
  • Trabalhar a educação sexual de modo lúdico e adaptado à idade de cada criança, visando um entendimento da sexualidade como algo natural da vida e que ninguém tem direito de toca-la sem o seu consentimento;
  • Buscar ajuda médica e psicológica quando perceber que algo está diferente do que acontece com os outros filhos ou demais pessoas neurotípicas. Por vezes, a criança pode estar com algum tipo de disfunção ou problema hormonal, ou também questões psicológicas e emocionais que pode refletir na sexualidade. Se informe, converse com outras famílias, busque ajuda.
“Quanto maior o comprometimento que a pessoa tem, no autismo ou em outras particularidades, menor domínio elas têm de seus impulsos sexuais, podendo haver contratempos. Paciência, amor e trabalho podem e devem ser muito usados frente a esses casos”, afirma.

Fora das convenções sociais comuns

Assim como neurotípicos, autistas também possuem orientação sexual. “Nós somos autistas, mas nós somos pessoas em primeiro lugar. Então, o autista pode ser heterossexual, assexual, homossexual, transsexual”, comentou o jornalista e autista Victor Mendonça no podcast Introvertendo.
Durante a conversa, o jovem de 22 anos afirma que sente atração sexual por homens, mas também não teria dificuldades em se relacionar com mulheres, além de reforçar a importância dos pais em participar desse processo.
“A pessoa com deficiência já tem menos autonomia no geral. Então, para ela se posicionar com relação a isso, é mais difícil. Eu, por exemplo, sou uma pessoa que gosto do ser humano. Hoje eu vejo que sinto atração por homem, mas não teria dificuldades de me relacionar com uma mulher, porque eu gosto do ser humano em primeiro lugar. Isso é muito do autismo, a gente não seguir algumas convenções sociais”, analisa.
Além disso, o jovem ressalta a importância de que famílias de autistas e autistas possam respeitar todas as orientações sexuais e a diversidade.
“A gente tem que aceitar todas as diversidades que existem. A gente não pode querer que a sociedade não seja preconceituosa com a gente se a gente é preconceituoso com a sociedade”, conclui.
Fonte  http://olharesdoautismo.com.br/2019/11/13/sexualidade-no-autismo/
Postado por Antônio Brito 

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