Quando o Estado está ausente, alguém tem que fazer alguma coisa”. É dessa forma que Ivaldo Brandão Vieira, vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro e presidente da Sessão Mundial da Educação Física Adaptada, enxerga a necessidade de mobilização do movimento paralímpico nacional para uma difícil empreitada: preparar cem mil professores de Educação Física para que tenham condições de desenvolver alunos no esporte adaptado no território nacional.
Brandão é treinador paraolímpico desde 1988, muito antes de o esporte paralímpico nacional ganhar visibilidade, o que só ocorreu ao longo dos Jogos Paralímpicos de Atenas-2004. Do alto dessa carga de experiência acumulada, ele identifica lacunas na formação dos profissionais de Educação Física. “Não existe formação ou especialização em esporte adaptado em números suficientes no nosso país. A formação nas universidades ainda é bem incipiente. Temos apenas matérias obrigatórias, às quais os estudantes se dedicam apenas para completar os créditos necessários para que se graduem. Quando chegam ao mercado, estão carentes de informação”.
No entender do professor, o currículo de Educação Física deve ser reformulado. A Academia Paralímpica se debruça sobre a elaboração de uma proposta, e Brandão espera que o Conselho Federal de Educação Física dê o seu aval a ela.
Esse tipo de iniciativa se faz ainda mais necessário, segundo Brandão, num contexto em que o Ministério da Educação está praticamente paralisado. “Quando observamos o Governo Federal se empenhando em multiplicar cursos de Ensino a Distância, fica-nos claro que ele tem outras prioridades. Na nossa área, a Educação Física, é temerária uma aposta no EaD. O que teremos diante de nós serão profissionais sem eficiência”.
Empunhando bandeiras educacionais bastante questionáveis, o presidente Jair Bolsonaro estaria, na opinião do educador, dando sinais de que, na verdade, está priorizando a campanha de 2022, esquecendo-se de governar. “Acho que ele ainda está em campanha. Ou então já está em campanha”.
Brandão é crítico severo de administrações anteriores do CPB – leia-se Andrew Parsons, o antecessor de Mizael Conrado. Bastante comunicativo, o jornalista, que entrou no Comitê Paralímpico Brasileiro como estagiário do departamento de comunicação e de lá saiu para depois assumir a presidência do Comitê Paralímpico Internacional, goza de imenso prestígio perante a jornalistas, que não raro o comparam, com evidentes vantagens, com cartolas poderosos que trazem más lembranças, como Carlos Arthur Nuzman e João Havelange. Mas há um viés nessa análise – a imprensa dedica ao esporte paraolímpico uma fração praticamente insignificante do tempo e dos recursos investidos no esporte olímpico. Sem acompanhar o dia a dia, passa boa parte do tempo, ao longo de competições importantes, narrando histórias edificantes, que abundam no esporte adaptado, e deixam a capacidade crítica meio de lado sobre os administradores do sistema.
“Sou crítico às administrações anteriores do CPB. Éramos essencialmente voltados ao alto rendimento, dedicando-nos a multimedalhistas paraolímpicos. Acho necessário que voltemos à escola. Precisamos saber o que ela quer com o esporte adaptado. Vamos realizar seis seminários por diversas regiões do país para tirar algumas informações. Precisamos também buscar no nosso Centro de Esportes Paralímpicos o conhecimento lá acumulado. Como os profissionais que lá trabalham pensam o esporte adaptado. Como é a pedagogia lá adotada?”.
Brandão salienta que não se busca uma uniformidade de métodos formativos. “Cada lugar tem suas particularidades. Não se trata de buscar receitas de bolo. O Centro de Formação Esportiva vai disponibilizar, gratuitamente, de 15 a 18 e-books que vão transmitir a experiência dos profissionais do CPB”.
Outro projeto que está sendo preparado é o dos Jogos Paralímpicos da Lusofonia, previstos para 2021. O Brasil troca informações sobre formação de atletas paralímpicos com os profissionais de países que têm no português o idioma oficial, como Portugal, Angola e Moçambique. “Queremos mais projeção. Os idiomas que predominam no esporte paralímpico são o inglês, o francês e o espanhol. Nós temos também uma contribuição importante para dar ao esporte paralímpico”.
É nesse ponto da entrevista, quando se refere a idiomas, que Brandão dá outra alfinetada em Parsons, carioca que tem ancestrais britânicos, irlandeses e noruegueses. “Embora o Andrew fale português, às vezes ele e nós não falamos a mesma língua. Veja o caso das classificações. O André Brasil (dono de 14 medalhas nos Jogos Paralímpicos, sendo sete de ouro) foi considerado inelegível. Será que os 15 anos em que competiu no paralimpismo foram uma mentira? Durante todos esses anos, os critérios estavam errados? Parsons deveria olhar mais para o conjunto da obra dele. Ele foi indicado pelo Brasil para a eleição do Comitê Paralímpico Internacional. Se ele sequer olha para os interesses do Brasil, o que foi fazer lá? Acho que ele é muito personalista. É carreirista. Foi lá decidido a fazer o seu programa”.
Trocando em miúdos, para quem não acompanha o noticiário do paralimpismo: em abril, André foi considerado fora do padrão da classe S10, a mais alta das classes funcionais na natação. Na prática, só faltou declararem que André não tem qualquer deficiência e que só resta a ele a natação convencional. O nadador teve paralisia infantil na infância e, em decorrência disso, tem uma das pernas muito mais fina que a outra e grande diferença de força entre as duas.
“Quando Andrew diz que seu objetivo é se aproximar do movimento olímpico, isso para nós é ruim. Acho que o movimento paralímpico deve caminhar junto com o movimento olímpico, mas os dois não devem ficar juntos. Existe uma diferença aí. Quando você não briga pelo futebol de 7 porque o Comitê Olímpico Internacional não quer, você não está defendendo o movimento paralímpico”, ataca Brandão.
“Quais são os benefícios dessa aproximação? Comercialmente pode ser interessante. Mas o movimento olímpico hoje vai contra os interesses das pessoas com mais deficiências, que requerem mais acompanhantes, mais equipamentos, como cadeiras. Isso gera custo, e o Comitê Olímpico Internacional quer reduzi-los. Você vai deixar de dar oportunidades a pessoas com deficiência por causa de custos?”, segue o vice-presidente do CPB.
Por fim, Brandão diz que a boa imagem de Parsons se mantém graças à contenção de atletas paralímpicos insatisfeitos. “Tem muita gente insatisfeita, mas eles evitam exteriorizar. Muitos movem processos contra o IPC (a sigla em inglês do Comitê Paralímpico Internacional) e, se falarem, poderão se prejudicar junto à Justiça”, acrescenta.
Fonte https://www.educacaofisica.com.br/noticias/vice-do-cpb-pede-reformulacao-no-curriculo-da-educacao-fisica/
Postado por Antônio Brito
Nenhum comentário:
Postar um comentário