Natal no lar de idosos: Há quem espere visitas de quem nunca chega
A caminhada de Advento sugere que a árvore do Natal «possa ser uma videira». Esta simboliza a família de Deus e o direito que todos têm de ter uma família. Na igreja da Fundação Santo António, sediada em Vila Boa do Bispo, há uma representação da videira, feita pelos idosos do lar em colaboração com os funcionários e que simboliza a família que, por vezes, não chega.
Abase desta árvore, em tons de verde proporcionado pelo musgo, simboliza os avós. O tronco acastanhado da videira tem dois ramos: um, suporta uma vela na ponta, em representação dos filhos e, noutro ramo, o padrão repete-se para ilustrar os netos. A verdade é que muitos dos idosos que habitam nos lares não têm a visita dos “ramos da sua videira”. É sem um “feliz Natal” dos seus filhos, dos seus netos, que muitos passam a noite de 24 e assim permanecem no dia 25, na esperança que, pelo menos, uma chamada caia nos seus telemóveis.
“Imagino que estão comigo para não me sentir sozinha”
“Solidão” é a palavra que predomina em muitos corações mais velhos. Num dos pisos da Fundação de Santo António, duas mãos pintadas de verde penduradas na porta em jeito de decoração têm escrito “Palmira, 95 anos”.
Uma senhora, onde o preto predomina na sua roupa, de quem tem o luto patente no coração. Abriu as portas do seu quarto. “Esta é a minha casa”, disse com um sorriso de quem se sente ali feliz. E é por ali que vai ficar nos dias 24 e 25 de dezembro. O rosto muda de figura quando ouve a palavra Natal. “Natal é família, e eu já não a tenho”.
A expressão endurece quando questionada sobre o número de visitas que costuma receber nesta quadra. “Sou solteira, não tenho ninguém, não recebo visitas”. Os sobrinhos, os únicos da família que ainda tem, “moram longe”, diz com o nítido sentimento de quem compreende a ausência. Mas não esconde que as melhores prendas que lhe podem cair no sapatinho são “uma conversa, uma visita, um abraço”, e permaneceu com esta confissão que provocou um silêncio no quarto, em que o único gesto ecoou foi o do diretor da fundação, Manuel António Moreira Teixeira, com a mão a pousar-lhe no ombro.
O diretor desta fundação sabe que este é um dos muitos casos que tem no lar da sua fundação. “O Natal é uma altura de emoções, desde as mais belas às mais cruéis”, e a solidão é um dos sentimentos que prevalece nesta faixa etária daqueles que veem os outros colegas receber os filhos, os netos, um beijo, um abraço, mas cujo seu colo continua vazio. “Eu imagino que eles estão aqui. Isso já me consola. E as rabanadas também”, adianta Palmira, tentando recuperar algum fôlego e escondendo as lágrimas.
No quarto do lado há uma realidade bem diferente. “Estou tão feliz. Sabe, sou a segunda mãe do doutor Costa, trabalhei lá até vir para aqui”, expressou Rosa Teixeira Alves. Criou-lhe três filhos e, em jeito de gratidão, o médico fez questão que a ceia de Natal fosse passada junto desta mulher de 95 anos. “Ainda disse que passava aqui, estou cá há muitos anos, e os meus companheiros do lar são como uma família. Tenho também sempre visitas, de sobrinhos, ainda ontem fiz anos e não faltou carinho”, contou com alegria.
Mais ao lado há duas camas. “Bom dia meninas, como passaram a noite?”, questionou o diretor Manuel Moreira Teixeira. Mas ninguém respondeu. Duas pessoas acamadas estavam deitadas sobre as camas. “Vamos trazer o Natal a este quarto porque elas não podem participar na ceia conjunta que proporcionamos a todos os nossos idosos, com bacalhau, batatas, rabanas e prendas”, constatou.
Também o padre vem até estes quartos, de quem já não se levanta, para dar a beijar o menino jesus, “um ato que tem uma importância muito grande para eles”, revelou a irmã Idalina, responsável por, no dia 25, levar um “menino jesus grande” a beijar. “Levo-o enquanto canto para os meus idosos”, contou, salientando que é a felicidade que vê estampada no rosto de quem visita que mostra que “este é o local certo" para a sua missão.
No dia de Natal, quem não dispensa vir até ao lar são os 26 voluntários que integram o dia a dia da instituição. “Antes de irmos jantar com a nossa família, dirigi-nos até cá para lhes trazermos os presentes, cantarmos músicas”, conta a voluntária que está na fundação desta a sua criação, Maria Emília. E diz que o melhor presente que um voluntário pode ter “é o sorriso dos utentes e o seu olhar ternurento”.
“Prefiro passar o Natal com os mortos. Esses, tenho-os sempre”
“Eu sei que eles dizem que temos de estar todos juntos, que somos uma família. E somos, mas não família como a nossa de sangue. Esse, corre-nos nas veias”, disse Maria Amélia Babo, de 96 anos. É por isso que, depois da ceia de Natal, gosta de ficar sozinha. “Prefiro passar o Natal com os mortos. Os mortos tenho-os sempre, os vivos nunca sei quando os tenho comigo”, frisou. Ainda assim, vai ver sempre a cunhada, que também habita na Fundação Santo António, e ainda toma conta do seu sobrinho. “É uma mulher especial”, disse o diretor, orgulhoso da panóplia de gerações e personalidades que por ali se encontram.
Mais novos ou mais velhos, mais ou menos amantes desta quadra, o certo é que todos participaram nas decorações da fundação prepararam-se para o seu espetáculo de Natal, que aconteceu no dia 22. Foi com ansiedade que esperaram pela família esteja presente com fortes aplausos. “Vamos contar a evolução das danças. É uma forma de os colocarmos ativos e a interagirem uns com os outros. Somos uma família”, realçou a educadora social Manuela Mendes.
O diretor constatou que “a festa é o momento em que mais familiares comparecem na fundação”. Alguns dos utentes vão a casa dos familiares, mas, nestes 21 anos de funcionamento, “há menos idosos a sair, porque vão envelhecendo e porque não têm capacidades para tal”. De qualquer forma, é a altura do ano em que mais saídas acontecem. Aos que vão, e a quem vem visitar, o diretor deixou um conselho: “não estraguem o trabalho diário com a comida, para um pós Natal melhor”
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