Mesmo com leis específicas para pessoas com deficiência, o Brasil ainda é um país com pouquíssima acessibilidade e o preconceito é diário
Em parte, a dificuldade de conseguir um emprego é resultado do pouco acesso ao sistema de ensino. As estatísticas entregam: 60% das PcDs brasileiras não completaram o ensino fundamental e apenas 0,5% delas está no mercado de trabalho. As barreiras incluem falta de acessibilidade física e também intelectual, já que boa parte das instituições de ensino não oferece auxílio e monitorias especializadas a pessoas com deficiência. E não é um problema exclusivo do sistema público. A estudante paulista de jornalismo Ana Clara Moniz, 21 anos, que tem atrofia muscular espinhal tipo 2, enfrentou obstáculos mesmo tendo frequentado escolas particulares durante toda a vida. “Só depois que entrei no colégio percebi, de fato, o que significava ter uma deficiência. As escolas não queriam me aceitar quando descobriam que eu era PcD”, lembra. Após uma longa busca dos pais, Ana Clara finalmente ingressou na educação infantil e, apesar da falta de experiência da instituição, nunca teve problemas. “Mas sei que sou privilegiada. Isso não é a realidade para a maioria”, completa. Na faculdade, a história é outra. Ela enfrenta certa resistência nos pedidos de mudanças do espaço. “É complicado conseguir chegar às salas em cadeira de rodas, e alguns professores não são muito compreensivos. Quando está chovendo, é difícil passar pelas rampas descobertas. Uma vez reclamei que estava tomando chuva e ouvi: ‘Pelo menos em Campinas não chove muito’”, revela.
A carioca Nathalia Santos, 27 anos, se depara com empecilhos semelhantes. Até a universidade, dependeu dos sistemas públicos de ensino e saúde. Só aos 12 anos ela conseguiu o diagnóstico correto de sua condição, retinose pigmentar, três anos antes de ficar completamente cega. Como até então os médicos diziam que Nathalia tinha apenas astigmatismo e miopia, ela não conseguia solicitar os materiais escolares adaptados para PcD. “Mesmo assim, graças à boa vontade dos professores, aprendi a escrever. A questão sempre foi a falta de estrutura”, explica. Quando ingressou na faculdade, uma instituição privada que lhe ofereceu uma bolsa integral, descobriu que o prédio não tinha acesso algum. A escola ouviu os pedidos da aluna e corrigiu alguns dos problemas.
Busca por prazer
Nathalia soube há poucas semanas que está grávida. No início, foi um choque. “Conhecemos mães de crianças com deficiência, mas quantas mães com deficiência a gente vê? São pouquíssimas. Nós não somos vistas como pessoas desejadas”, afirma. Além de terem a sexualidade e o prazer completamente ignorados, as mulheres com deficiência estão muito mais sujeitas a sofrer todo tipo de violência sexual – o risco é três vezes maior para elas do que para as demais mulheres, de acordo com o primeiro relatório da ONU sobre PcDs, lançado em dezembro de 2018.Fatos como esses causam impacto direto sobre a autoestima das mulheres, sem contar que a falta de informação também influencia no autocuidado. “Como elas são invisibilizadas, é extremamente importante que estimulemos o empoderamento. Uma das formas de conseguir isso é promover encontros entre elas para que possam trocar experiências e se unir”, explica Aracélia Costa, secretária executiva dos Direitos das Pessoas com Deficiência no estado de São Paulo. A secretaria vai lançar, ainda este mês, uma programação de eventos que terão início na capital, mas logo devem seguir para outras cidades.
Não são só os homens que viram as costas para as mulheres com deficiência. O movimento feminista também acaba deixando de lado esse grupo. Mesmo com as inúmeras vertentes, poucas são as lutas que o envolvem. “A verdade é que esse mundo só é fácil para uma parcela pequena da sociedade: os homens cis héteros brancos e ricos. Quanto mais opressões você acumula, pior é. Eu apoio o movimento e acho extremamente importante, mas ele não me representa como mulher preta e muito menos como mulher com deficiência”, afirma Alessandra. Mariana concorda. Segundo ela, além de todo o estigma da fraqueza do gênero feminino, o corpo dessas mulheres não é bem-vindo em ambientes que discutem o feminismo. “Os eventos acontecem em lugares sem acessibilidade, intérprete de libras, audiodescrição. Parece que as pessoas têm preguiça de nos incluir”, diz.
Um futuro nem tão brilhante
Em novembro do ano passado, o Ministério da Economia criou o Projeto de Lei 6.159, que determinava que as empresas poderiam optar por não contratar pessoas com deficiência se pagassem uma multa. Isso praticamente destruía o direito ao trabalho das PcDs e desautorizava a Lei de Cotas. O PL deveria ser votado em até 45 dias no Congresso, mas, após inúmeros protestos, o presidente Jair Bolsonaro retirou a urgência e o ministro Paulo Guedes garantiu que não irá pautar mais nenhum projeto que envolva as PcDs sem ouvi-las e considerar suas demandas anteriormente. Esse é apenas um dos exemplos de projeto de lei que tira os direitos das pessoas com deficiência, LGBTs+, mulheres, negros e, ainda que não tenha ido para a frente, mostra o descaso do poder com as minorias.Para Mariana, com o viés do atual governo, é difícil esperar muitas mudanças positivas, mas o essencial é investir na inserção no mercado de trabalho. Ela sugere uma campanha para exaltar as PcDs. “A gente não quer ficar encostada no INSS, como muita gente fala. Queremos ser produtivas e protagonistas da nossa vida”, declara. Já Ana Clara defende a “normalização” das deficiências. “As pessoas precisam começar a nos ver como cidadãos. Temos direitos, e eles precisam ser respeitados. Não são favores que nos fazem”, explica.
O preconceito está em atos e questões nos quais às vezes nem paramos para pensar – alguns, institucionalizados. “Ano passado fui à Receita Federal e descobri que a deficiência é considerada uma moléstia grave. Esse tipo de nomenclatura ainda é muito comum e ofende, inferioriza. Não é algo que vai mudar de uma hora para outra porque está enraizado, mas ações de conscientização do governo poderiam dar início à mudança”, sugere Ana. Até lá, as atitudes para a transformação devem partir de todos. De nós mesmas no dia a dia, para acolher e ouvir essas mulheres, ser parceiras delas na luta por seus direitos. Das instituições públicas e privadas, ao atender às necessidades das PcDs e garantir a real inclusão. E de toda a sociedade, no combate aos preconceitos.
Fonte https://claudia.abril.com.br/sua-vida/mulheres-com-deficiencia-revelam-o-que-esperam-de-um-futuro-inclusivo/amp/
Postado por Antônio Brito
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