- * Por André Naves
Vamos imaginar uma cena corriqueira? A copa toda moderna de uma
empresa de ponta. O perfume do café preenche o ar, enquanto conversas
sobre projetos e metas se misturam à música ambiente. Nas paredes,
pôsteres coloridos celebram a “diversidade”. Nos perfis de redes sociais
da companhia, selos de “great place to work” e fotos de equipes
sorridentes e aparentemente plurais. Tudo parece em harmonia com o
discurso da inclusão.
No entanto, a realidade é outra por trás dessa fachada. É o processo
seletivo que, sob o pretexto de uma meritocracia torpe, perpetua
barreiras invisíveis. São as rampas que levam a lugar nenhum… São
softwares inacessíveis…
Essa é a inclusão performática: aquela que se contenta com a aparência, mas não mexe na estrutura!
No Brasil, a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência representou um
avanço civilizatório inegável. Contudo, mais de três décadas após sua
promulgação, seu cumprimento ainda é visto por muitos como mais um custo
burocrático. É só um item a ser “ticado” em uma planilha de RH. Ela
persiste não sendo entendida como o que realmente é: um piso mínimo de
dignidade e um portal para a inovação.
A pergunta que precisamos fazer não é se as cotas estão sendo
preenchidas, mas como. Um trabalhador contratado para ser inutilizado ou
subutilizado, para evitar multas, é a evidência de uma sociedade que
aprendeu a simular a justiça, mas ainda resiste a praticá-la.
O debate precisa ir muito além dos percentuais. A verdadeira barreira
não está na deficiência, mas no capacitismo estrutural que molda nossos
ambientes de trabalho, nossas escolas e nossas cidades. Sabe a cultura
organizacional que valoriza um único perfil de produtividade, ignorando a
riqueza que a diversidade de corpos e mentes pode oferecer?
De qualquer ponto de vista, mas principalmente a partir da economia
política, a exclusão é simplesmente uma péssima estratégia. Ambientes
verdadeiramente diversos são comprovadamente mais criativos, resilientes
e capazes de solucionar problemas complexos. Ignorar talentos por conta
de preconceitos não é apenas uma falha ética; é um erro gerencial que
gera prejuízos.
Porém, a questão é muito mais profunda que a lógica utilitária. No
cerne de tudo, está a dignidade. Está a capacidade de enxergar a
potência onde o preconceito só vê a falta. É reconhecer que a
experiência de uma pessoa com deficiência não é uma tragédia a ser
superada, mas uma perspectiva única e valiosa sobre o mundo. Está em
compreender que acessibilidade não é um favor, mas um direito que
viabiliza todos os outros.
A inclusão real, portanto, não é um checklist. É um processo contínuo
e desconfortável de escuta, de adaptação e de transformação cultural.
Começa quando a liderança entende que seu papel não é “ajudar os
coitados”, mas remover as barreiras que a própria organização criou.
Acontece quando a equipe aprende a colaborar de formas novas e
flexíveis. E se consolida quando uma pessoa com deficiência não é apenas
contratada, mas ouvida, promovida e vista em sua inteireza humana e
profissional.
Precisamos ter coragem para ir além da planilha. Precisamos trocar o silêncio da mesmice pelo som vibrante de ideias diversas, de experiências múltiplas e de talentos plenamente realizados. É preciso “take the risk”!
A verdadeira inclusão não se mede em percentuais, mas na qualidade do encontro humano que ela provoca. E é nesse encontro, e em nenhum outro lugar, que a beleza de um futuro mais justo começa, de fato, a ser enxergada.

*André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito
pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em
Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College
e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural,
Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).
Fonte https://diariopcd.com.br/inclusao-performatica/
Postado Pôr Antônio Brito
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