A Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil manifesta repúdio ao veto nº 55/2019 do Governo Federal ao PL nº 3055/1997 que altera o parágrafo 3º do Art. 20 da Lei nº 8.742/93, para que a partir da caracterização da incapacidade de prover os cuidados e a manutenção básica de pessoas com deficiência ou idosos, seja concedido o Benefício de Prestação Continuada (BPC) àquelas famílias cuja renda per capita não seja superior a 1/2 do salário mínimo vigente.
Deve-se considerar que o BPC é ferramenta fundamental para a sobrevivência de pessoas com deficiência e em situação de pobreza, que são absolutamente vulneráveis socialmente. Nesse sentido, frise-se que a redação atual limita a concessão do benefício a renda per capita não superior a 1/4 do salário mínimo, valor que corresponde, nos dias atuais, ao valor de R$ 261,25 (duzentos e sessenta e um reais e vinte e cinco centavos) insuficiente para a garantia da dignidade humana.
Ademais, em que pese a fundamentação da presidência, não há qualquer inconstitucionalidade ou contrariedade ao interesse público no PL nº 3055/97. Ao contrário, a manutenção dos limites estabelecidos atualmente permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial que é previsto constitucionalmente.
Em que pese a anterior declaração de constitucionalidade do parágrafo 3º art. 20 da Lei nº 8.742/93 nos autos da ADI 1.232-1/DF, julgada há 22 anos, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu em 2013 que passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos da renda per capta, ante a sua incompatibilidade com o cenário atual.
Nesse sentido, consignou nos autos do RE 580.963/PR que “verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro)”.
Portanto, é inconstitucional o atual critério para a concessão do benefício que ignora as notórias mudanças fáticas, políticas, econômicas, sociais e jurídicas e descumpre norma constitucional prevista no art. 203, V da Constituição da República - que é claro ao estabelecer a reserva legal para a fixação das hipóteses de concessão do benefício.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça consigna que a situação de miserabilidade não pode ser limitada ao limite de 1/4 do salário mínimo:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DA PRESTAÇÃO CONTINUADA.
REQUISITOS LEGAIS. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE.
As disposições contidas na lei não furtam ao julgador o poder de auferir, mediante o conjunto probatório contido nos autos, sobre outros critérios para se obter a condição de miserabilidade.
O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade do autor.
Recurso desprovido.
(REsp 612.097/RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2005, DJ 09/05/2005, p. 460)
Devemos considerar então que já há muito tempo o limite estabelecido na Lei de 1993 não comporta a realidade vivenciada no Brasil e não alcança o objetivo do constituinte em combater a miserabilidade com o benefício de prestação continuada.
Assim sendo, o veto presidencial impede a concretização de uma mudança necessária, urgente e imprescindível para a garantia da subsistência das famílias das pessoas com deficiência, que por si só agravam a situação de miserabilidade vivenciada, em decorrência dos cuidados especiais cabíveis.
Ademais, as justificativas do veto ora combatido são insuficientes para a demonstração de quaisquer outros motivos de inconstitucionalidade no projeto de lei nº 3055/1997.
Faz-se indispensável registrar que a população de pessoas com deficiência é vítima não apenas da discriminação que a desconsidera enquanto seres humanos, como de outros atos preconceituosos dos quais resultam diversas formas de violência e impedem inclusive a sua ascensão econômica, sendo certo que é também papel do Estado garantir condições mínimas de dignidade humana a estes cidadãos.
Nesse contexto, a Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil apresenta esta moção de repúdio na expectativa de que cada parlamentar vote pela rejeição do veto nº 55/2019, em favor das pessoas com deficiência em condição de miserabilidade.
Brasília-DF, 2 de março de 2020.
Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
FONTE https://www.oab.org.br/noticia/57955/mocao-pela-derrubada-do-veto-n-55-2019-do-governo-federal-ao-pl-n-3055-1997
Postado por Antônio Brito
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