Por Juliano Gonçalves*, G1 Ribeirão Preto
Com apoio da família, a jovem conseguiu chegar à universidade. Hoje, ela trabalha para mudar a realidade da acessibilidade no país e quebrar as barreiras impostas pelo preconceito.
Ao microfone, ela narra sua trajetória, encoraja outras mulheres deficientes a terem voz e discute políticas para ampliar a participação delas nas escolas e no mercado de trabalho.
“Se as pessoas não estão abertas para ouvir, a convivência se torna cada vez mais complexa. Às vezes, essas pessoas [com deficiência] são barradas nos direitos básicos. Para mim, uma vida plena é uma vida onde todas as pessoas estão inseridas em diversos espaços”, diz.
Aceitação
Antes de se tornar palestrante, Mayra percorreu um caminho de desafios e preconceitos. Ela nasceu com atrofia no nervo óptico, mas foi perdendo a visão gradativamente. Sem condições financeiras, os pais buscaram ajuda médica na Prefeitura de Guariba (SP), cidade natal dela, e a levaram a centros especializados. Mas o quadro era irreversível.
“Atualmente, eu sou muito forte para dizer que eu sei conviver com a minha deficiência, que eu estou muito bem com a minha deficiência. Mas, para uma criança de 7 anos, não é tão fácil. Eu chorava muito, eu não queria andar com a bengala, eu não queria escrever o Braile. eu sentia ódio de todos os objetos que eram utilizados como sinônimo de perda da visão”, afirma.
Mayra lembra que pedia para estudar, mas que era comum chegar às escolas e receber uma negativa. A mãe a matriculou em uma instituição pública regular, mas ela não estava preparada para recebê-la.
“Uma vez, falaram para minha mãe assim: ‘nós vamos passar ela de ano mesmo sem aprender nada, porque para ela não vai fazer muita diferença’. Aí minha mãe falou: ‘minha filha tem uma deficiência visual. Vocês precisam trabalhar com ela’”, lembra.
Motivação para ir em frente
Foi a força da mãe, Marta Aparecida Ribeiro de Oliveira, que motivou Mayra desde pequena. A jovem lembra que Marta conheceu uma instituição gratuita em Jaboticabal (SP) que estava empenhada em auxiliar crianças com deficiência visual. Lá, ela conseguiu uma vaga para a filha, que frequentava a escola regular pela manhã e a escola especial, à tarde.
Quando finalmente chegou ao ensino médio, Mayra já não sentia mais a angústia da infância. A bengala e o Braile Embora as dificuldades jamais tivessem deixado de acompanhá-la, ela acreditava em seu potencial. Foi aí que ela decidiu fazer faculdade de serviço social e foi aprovada no vestibular da Unesp, em Franca (SP).
Discussão que transforma
Em 2012, a caloura ingressou na universidade e viu um leque de oportunidades surgir para garantir que pessoas como ela tivessem acesso a um direito essencial: a educação. Mas, segundo ela, a própria faculdade não estava 100% apta a receber alunos como ela. A biblioteca não tinha livros em Braile e a própria moradia não tinha acessibilidade. Foi preciso contar com a ajuda de professores empenhados e colegas que se transformaram em amigos.
Foi nas assembleias estudantis que ela começou a falar de inclusão e discutir uma pauta viável. Uma das bandeiras de Mayra é que o Benefício da Prestação Continuada concedido pelo governo federal não pode ser a única política para garantir a participação de deficientes na sociedade.
Após vivenciar experiências já bem sucedidas na Unicamp e na Unesp de Araraquara, a jovem começou a reivindicar a implantação de um laboratório de acessibilidade no campus em Franca. Em 2014, a universidade finalmente inaugurou o espaço.
Capacidade
O diploma na carreira de assistente social veio em 2017. Durante o período na faculdade, Mayra teve a oportunidade de levar adiante seu discurso em defesa da inclusão. Mas ela não ficou só na teoria. Durante um ano, ela participou de um aprimoramento profissional no Hospital das Clínicas (HC). Depois disso, descobriu uma instituição educacional que desenvolvia um projeto com adolescentes da Fundação Casa.
“Fui pesquisar e já descobri que não tinha acessibilidade no site. Liguei e falei: olha gente, desculpa, vocês não têm acessibilidade no site e eu gostaria de saber como que eu faço para mandar o currículo. A técnica responsável foi falar comigo, eu expliquei tudo e ela falou para eu mandar o currículo no e-mail dela”, afirma.
Aprovada no processo seletivo, Mayra passou a atuar na formação de jovens com síndrome de down, autismo leve moderado, déficit de atenção, com o objetivo de inseri-los no mercado de trabalho.
A assistente social diz que atuar como professora foi um grande desafio profissional e pessoal, mas que a experiência rendeu vivencias que ela jamais vai esquecer.
“Tem uma jovem que estava fazendo administração e está em uma multinacional. Ela fala que está na equipe de diversidade e inclusão graças a mim. Eu fico muito feliz.”
Voz ganha força pela internet
Engajada em debater cada vez mais a acessibilidade, Mayra resolveu criar um canal no Youtube, onde fala sobre o assunto. “Quem não viu a Mayra vê” surgiu do incentivo dos próprios alunos. A princípio, a ideia ficou apenas no papel, mas um vídeo postado por ela em que recita uma poesia foi o pontapé inicial.
“Quem não viu a Mayra vê, vê tudo: o preconceito velado das pessoas, o que as pessoas querem que a Mayra não veja, o que as pessoas acreditam que é o politicamente correto”, diz a assistente social.
Para ela, o canal também é mais uma forma de dar voz às mulheres com deficiência. “Eu acredito que nós precisamos nos conhecer enquanto mulheres, tomar consciência da nossa força. Nós somos mulheres, mulheres fortes”.
Neste domingo (8), Dia Internacional da Mulher, Mayra participa de uma roda de conversa na Biblioteca Sinhá Junqueira, em Ribeirão Preto, espaço totalmente adaptado às pessoas com deficiência.
Fonte https://g1.globo.com/sp/ribeirao-preto-franca/noticia/2020/03/08/cega-desde-crianca-jovem-luta-por-insercao-de-mulheres-deficientes-na-educacao-e-no-trabalho.ghtml
Postado por Antônio Brito
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