
OPINIÃO
- * Por Carolina Ignarra
Durante anos, eu assisti às novelas com o coração apertado. Não porque não gostasse das histórias, mas porque me sentia, no fundo, completamente ausente delas. Não havia ali nenhuma personagem que me representasse de verdade. Quando, raramente, surgia uma pessoa com deficiência na trama, ela era quase sempre interpretada por um ator sem deficiência, em um enredo de piedade, de castigo ou de superação forçada.
Hoje, apesar de ainda estarmos longe do ideal, começo a ver
pequenas revoluções acontecerem. São silenciosas, porém profundas. É
transformador ver nas telas da TV, do cinema e das plataformas de
streaming, atrizes e atores com deficiência interpretando papéis que vão
além da deficiência. É uma experiência que me emociona em camadas
difíceis de descrever.
Não se trata apenas de “ver alguém parecido comigo na tela”.
Trata-se de me conectar com as histórias. Trata-se de uma menina com
deficiência em algum canto do Brasil que, ao ligar a televisão,
finalmente consegue se imaginar atriz. Esse é o caso que está
acontecendo com a Haonê que interpreta a Pam em Dona de Mim. Ela tem
postado muitas mensagens que recebe de mães de garotas amputadas e de
garotas amputadas declarando essa sensação. Não vale a pena a gente
citar?! E não porque a história gira em torno de sua condição, mas
porque ela é o que é: uma artista com talento e com potência.
A
força dessa representatividade não está só no que ela mostra, mas no que
ela corrige: por décadas, fomos pessoas retratadas como heroínas por
simplesmente existir ou como vítimas eternas esperando a salvação. Essa
lógica desgasta, oprime e rotula. E mais do que isso: impede a audiência
de nos conhecer de verdade. Quando uma novela ou série permite que uma
pessoa com deficiência atue como qualquer outra vivendo alegrias,
fracassos, paixões e dilemas, ela está dizendo que somos parte da
sociedade. Que existimos fora da dor, fora do rótulo, fora do viés, fora
das “caixinhas”. Essa virada de chave nas narrativas, ainda tímida, mas
cada vez mais perceptível, tem um impacto que vai além da indústria do
entretenimento. Ela é didática e convida a sociedade ao letramento sobre
inclusão.
Infelizmente, não há dados precisos sobre o número de atores com deficiência no país. Há uma iniciativa bem séria do movimento “Acessa Mais” em
parceria com o Ministério da Cultura com o objetivo de mapear artistas e
agentes culturais com deficiência.A falta de dados não surpreende já
que dados da população com deficiência ainda é um tema negligenciado.
De
acordo com o Censo 2022, o Brasil tem uma população estimadade pessoas
com deficiência de 14,4 milhões, o que representa 7,3% da população.
Índice bem abaixo da média mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS)
estima que 15% da população global, ou seja, mais de 1 bilhão de
pessoas, vive com alguma deficiência. Não parece coerente que o Brasil
ter apenas metade da estimativa mundial.
Portanto, se não há uma certeza sobre o total de pessoas com deficiência no país, imaginem sobre o total de um segmento específico, como a dramaturgia. Mas, ainda assim, podemos celebrar algumas pessoas com deficiência que já estão brilhando nas telas brasileiras:
Tabata Contri – atriz e consultora de diversidade e inclusão – atuou em vários papéis, em novelas e propagandas. O mais recente foi na novela “Travessia”, (TV Globo), interpretando a advogada Juliana (2022).
Haonê Thinar – atriz, bailarina e modelo que está atuando como a Pam, na novela “Dona de mim” (TV Globo). Haonê é amputada da perna direita.
Manuela Trigo – atriz mirim que possui paralisia cerebral, participa da série do GloboPlay, Aruanas, Manuela interpreta Gabi, neta do personagem de Luiz Carlos Vasconcellos.
Luciano Mallmann, ator paraplégico que coleciona inúmeras campanhas publicitárias, e recentemente, interpretou o Carlinhos de “Elas por elas”, novela na TV Globo, também está na série “Justiça 2”, do Globoplay, como “Carlinhos”.
Pedro Neschling – intérprete do personagem Eriberto na novela “Renascer”, foi diagnosticado com deficiência auditiva aos 18 anos de idade. Também é escritor, roteirista e diretor de teatro e cinema. É filho da atriz Lucélia Santos e do maestro John Neschling.
Pedro Fernandes – 33 anos de idade, com paralisia cerebral com cognitivo preservado, ele brilha no personagem Peter da atual novela das sete (TV Globo), “Dona de Mim”.
Giovanni Venturini, um ator com nanismo, atua na segunda temporada da série “Justiça”, do Globoplay. Ele interpretou Elias e a trama não envolve sua condição.
Camila Alves, intérprete de Gabriela em “Todas as Flores”, novela do Globoplay, tem deficiência visual. Também trabalhou como consultora na novela, ajudando a retratar o universo das pessoas com deficiência.
É uma pequena mostra entre tantos outras estrelas com deficiência
que estão ocupando espaços na literatura, na música, nas artes
plásticas etc. Estão ali porque têm talento e isso deveria ser o
suficiente. A melhor estratégia é seguir ampliando espaços. Também é
preciso cobrar produções mais diversas, formar olhares mais inclusivos,
desde a base. Garantir que nossa presença não seja apenas lembrada em
datas específicas ou em personagens pontuais, mas que sejamos
consideradas como parte viva da cultura, da arte, da sociedade.
Para realizar os seus sonhos de profissão, as pessoas com
deficiência também atuam para aumentar a representatividade, naturalizam
a nossa vivência artística buscando espaço nos palcos, nas telas e onde
mais for possível expor não somente a deficiência de uma pessoa, mas a
prática do ofício de artista no melhor formato da “arte imitando a vida”
e esse movimento não pode mais parar!

- * Carolina Ignarra é CEO da Talento Incluir
Sobre a Talento Incluir
A Talento Incluir, empresa com atuação pioneira em Consultoria, Letramento, Empregabilidade e Capacitação das pessoas com deficiência, já inseriu no mercado de trabalho mais de 9 mil profissionais com deficiência. Fundada em 2008, sua missão é trazer dignidade para pessoas com deficiência por meio da empregabilidade. Em toda a sua trajetória, aplicou Programas de Inclusão 360º para formar e fortalecer a cultura de inclusão em mais de 650 empresas de diversos setores em todo Brasil, como Mercado Livre, Renner, Mondelez, Siemens Energy, Siemens Healthineers, Organizações Globo, Sephora, Loreal, AstraZeneca, GRU Airport, Eurofarma entre outras.
Fonte https://diariopcd.com.br/luz-camera-e-inclusao/
Postado Pôr Antônio Brito
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