Falta estrutura adequada, materiais adaptados e profissionais com capacitação. Preconceito também é um dos problemas enfrentados
O direito universal à educação é considerado, segundo a Constituição brasileira, “dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade”. Além desse documento, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e a Resolução nº 4/2009 garantem que pessoas com qualquer tipo de deficiência devem ser matriculadas em instituições regulares, com escola especiais e centros de atendimento servindo apenas como complemento ao ensino.
A prática de não segregar indivíduos com deficiência no contexto escolar é chamada de educação inclusiva, e é obrigação legal das instituições de ensino garantir que isso ocorra sem discriminação. O cumprimento desse direito, porém, ainda é uma dificuldade para muitas pessoas. Por falta de conhecimento, ou mesmo de verbas para investir em inclusão, muitos locais ainda dificultam o acesso de pessoas com deficiência ao ensino formal.
Os problemas podem ser de estrutura física, como piso tátil e rampas de acesso, da falta de materiais adaptados como livros em braile e vídeos com audiodescrição, de profissionais sem conhecimento para lidar com as variadas deficiências existentes, ou até do preconceito que pode ser praticado por colegas ou profissionais. Há ainda escolas e universidades que dificultam ou proíbem a matrícula de pessoas com deficiência, ou que cobram valores adicionais, nos casos das instituições privadas, para aceitar esses estudantes. Ambas as práticas são proibidas por lei e podem render multa de até 20 salários mínimos.
Respeito à diversidade
Viranyr Sousa tem vivido essa situação nos últimos meses. Sua filha, matriculada na rede pública municipal, foi diagnosticada com um caso severo de baixa visão em outubro de 2019, quando estava na terceira série do ensino fundamental. Sem ter outras crianças com deficiência entre os estudantes, a escola não fez as adaptações necessárias e a criança teve problemas para concluir os estudos do ano: a menina foi orientada pela própria professora a ficar vários dias sem frequentar as aulas, e não conseguiu realizar as provas do último bimestre por não ter condições de ler as questões, impressas em tamanho muito pequeno para suas limitações de visão. A duas semanas do início das aulas de 2020, Viranyr ainda não havia recebido resposta sobre as notas finais da filha.
Ela relata, ainda, que faltou compreensão por parte dos profissionais da escola, que não se esforçaram para entender a situação da criança nem orientaram outros estudantes sobre o respeito à diversidade. Ao presenciar colegas ofendendo a filha de Viranyr, a professora apenas informou que ela estava “com uma dificuldade”, sem explicar os problemas de tratar pessoas com preconceito. Em outra ocasião, uma professora perguntou se a menina estava tomando remédios e quando iria “ficar boa”, mesmo com o laudo médico atestando que a situação é irreversível.
A Secretaria Municipal da Educação (SME) foi procurada para falar sobre o caso, e respondeu que a filha de Viranyr foi matriculada, para o ano letivo de 2020, em outra escola, com materiais adaptados e acompanhamento profissional. A aprovação da estudante foi garantida pois, segundo o órgão, pessoas com deficiência em situações específicas podem ser avaliadas de acordo com critérios além das provas escritas. Afirmou ainda que trabalha com instituições de referência na cidade em auxílio a pessoas com deficiência visual para realizar a adaptação dos materiais, e que realiza formações continuadas para capacitar os trabalhadores de educação da rede municipal. A SME também forneceu orientações sobre o processo de matrícula para crianças com deficiência.
Inclusão na universidade
A necessidade de inclusão e adaptação não existe apenas no ensino básico. Pessoas com deficiência que frequentam a universidade também podem necessitar de auxílio, e as instituições têm obrigação de garantir a acessibilidade. Rebeca Cavalcante, estudante de Pedagogia na Universidade Federal do Ceará (UFC), recebeu o diagnóstico de autismo no final de 2018. Apenas um ano depois, porém, descobriu que existe uma secretaria específica na instituição para executar políticas de acessibilidade e auxiliar pessoas com deficiência. Procurou então o órgão, onde forneceu informações sobre os ajustes que precisa. Para os próximos semestres, os professores receberão orientações sobre as necessidades da aluna. Apesar de ter o direito às adaptações garantido por lei, Rebeca acha que não é atendida em sua totalidade: “Nem todo professor está aberto a fazer essa inclusão em sala de aula”, afirma.
Rebeca também pontua que a universidade ainda não coloca esse tema como prioridade. “Não é um lugar acessível, muito menos inclusivo. Atualmente, há cotas para pessoas com deficiência, que permitem a entrada na faculdade, mas não garantem a permanência”. Segundo a estudante, mesmo na Faculdade de Educação a discussão sobre ensino inclusivo é muito recente: ela afirma que é muito difícil debater essa questão pelo fato de as pessoas se fecharem muito em suas áreas de especialização, ignorando que o assunto perpassa todos os âmbitos da pedagogia.
Para Rebeca, há dificuldades e avanços: com as cotas houve ampliação do debate, pois as pessoas com deficiência se colocam mais em evidência. Para além disso, segundo ela, os próprios estudantes de Pedagogia têm se interessado por educação inclusiva, sendo necessário agora que a própria faculdade aprimore o conteúdo que oferece sobre o tema, que ainda está defasado. Além disso, muitos colegas refletem a desinformação: por sua condição não ser visualmente detectável, e pelos estereótipos propagados, Rebeca ouve com frequência que “não parece autista”, e precisa “provar” que possui o transtorno.
Na rede municipal
Segundo a SME, o atendimento a crianças com deficiência na rede pública abrange diversos diagnósticos. A pasta informou que os casos são avaliados individualmente, com a presença dos pais e do próprio estudante, para verificar quais são as adaptações necessárias de estrutura, materiais didáticos e profissionais de apoio. Para garantir que os ajustes estarão prontos a tempo do início das aulas, as matrículas de estudantes com deficiência são feitas entre os meses de outubro e novembro. Para solicitar o atendimento escolar diferenciado, é necessário ter o laudo comprovando a condição clínica da criança e se dirigir à própria escola ou ao distrito da educação da Secretaria Executiva Regional.
Fonte https://www.opovo.com.br/amp/noticias/fortaleza/2020/01/20/acesso-a-educacao-ainda-e-desafio-para-pessoas-com-deficiencia.html#aoh=15795611117152&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&_tf=Fonte%3A%20%251%24s
Postado por Antônio Brito
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