10/01/2020

Sem palavras I

Olhe o mundo com a coragem do cego, entenda as palavras com a atenção do surdo, fale com a mão e com os olhos, como fazem os mudos!!
Cazuza
Lendo e estudando sobre diálogos, interlocuções, interações entre sujeitos, gênero do discurso e linguagem, minha amígdala foi sequestrada (amigdala é uma pequena parte do cérebro). Esse sequestro, já enunciado em todas as minhas interações intelectuais e emocionais, se justifica através da minha relação de simbiose com Rafa.
Já escrevi sobre essa simbiose. Não sei onde ele termina, onde eu começo. Dados de pesquisa, que relatei no blog em 9 de novembro de 2018, afirmam que mães produzem o hormônio ocitocina, que denominaram popularmente de “hormônio do amor”. Esse hormônio é duplicado em proporções imensuráveis quando esse filho nasce com deficiência, isso gera a simbiose.
Rafa não articula nenhum tipo de discurso, no alto dos seu 9 anos não é considerado um menino verbal. O que diria os linguistas sobre ele, dado que se comunica não verbalmente?
Deveria eu trabalhar um tipo especifico de linguagem com ele? Como libra tátil? Mas ele ouve, escuta e é capaz de interagir com o outro sem emitir nenhum tipo de discurso oral. Que ser humano peculiar e singular é esse Rafa?
Se a linguagem existe em função do uso de locutores e interlocutores em situação de comunicação, concluo que o Rafa tem um círculo bem pequeno de interlocutores, pois quem entende a linguagem dele sou eu, o papai e a vovó. Sim, o contexto da linguagem dele é estritamente doméstico.
Em outros tempos isso me angustiava, como ele vai conseguir expressar sentimentos, necessidades para pessoas fora do contexto familiar?
Não sei!
Hoje essa resposta deixou de ter significado. A palavra não verbal do Rafa é cheia de significados, vivemos ilhados numa simbiose profunda, onde aspectos da eternidade e do futuro não nos pertence. Ele enuncia em condição de igualdade comigo, com papai e vovó. Nós três vamos a ele, estabelecemos o diálogo com ele em condição de igualdade.
Quem disse que ele precisa viver no meu mundo insano e louco? Onde as relações humanas estão fragilizadas e superficiais? Onde tem se perdido a essência e singularidade que define o ser HUMANO?
Rafa consegue viver e ver o que as palavras não dizem, consegue escolher entre achegar, abraçar, afastar, morder e beliscar aqueles que considera nocivos ou não à existência pura e natural dele. Me aconchega nos braços dele, me aperta e me arrocha, depois desce e sobe a mão na minha cabeça, numa menção de carinho tão peculiar dele. Sem palavras, sem som ele fala mais que mil palavras.
Fonte  https://meninosurpresa.blogspot.com/2020/01/sem-palavras.html?m=1

Postado por Antônio Brito 

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