O produtor musical e designer de som Wesley Amaral Gonçalves Rios, mais conhecido por seu nome artístico, Wzy, é um dos brasileiros que aproveitam parte do tempo livre para jogar videogames. Para isso, ele usa uma tela de 58 polegadas. Pode parecer um exagero, mas a opção pelo monitor maior do que a média não se dá por simples preferência. É porque ele facilita a experiência do jogo. Desde os 17 anos, Wzy tem uma doença degenerativa que o faz perder a visão gradualmente.
Hoje, o que uma pessoa sem deficiência enxerga a uma distância de 121 metros, ele só consegue enxergar a 6 metros. Essa condição já o faz ser considerado cego, de acordo com os parâmetros estabelecidos pela legislação brasileira.
Por esse motivo, o que mais auxilia Wzy na hora de jogar é a audição. “Eu jogo com fone. Então, se os personagens estão longe um do outro, quando um deles se mexe, ou dá um golpe, faz barulho, e dá para ouvir que ele está totalmente à esquerda, por exemplo. Quando eles estão próximos, o som sai no centro, e eu sei que eles estão próximos”, explica.
Apesar de Wzy nunca ter largado o hábito, a falta de opções de acessibilidade na maioria dos jogos acabou fazendo com que ele se sentisse deslocado no mundo gamer por muito tempo. “Sempre pensei assim, o nome do negócio é videogame. Se é vídeo, e eu estou perdendo a visão, então, não é para mim. Está no nome e na palavra, é vídeo, então, eu não posso usar”.
Ele já era um gamer antes de ser diagnosticado com a perda de visão. Depois da doença, as dificuldades foram aparecendo aos poucos. “Fiquei bem frustrado, quando comecei a jogar e vi que estava tendo dificuldades bem desnecessárias”, conta.
Além disso, ele afirma que ficou em dúvida até mesmo sobre o seu sonho de trabalhar com produção musical. “Era um lance da vida, mesmo. Eu pensava, não vou conseguir trabalhar com música. Era isso que me atormentava”.
A música e os games sempre estiveram lado a lado na vida de Wzy. Quando ainda era adolescente, nos anos 2000, foi tentando criar um jogo com Flash (software multimídia para jogos) em um computador sem internet que ele se interessou por produção musical. “Lembro que eu percebi que se colocasse sons na linha do tempo que a gente usava para fazer o jogo no Flash, virava música”.
Aos poucos, Wzy foi desenvolvendo modos de criar referências para o seu trabalho e para o dia a dia. Por meio de sons e equipamentos como fones de ouvido, softwares adaptados e grandes monitores, ele conseguiu superar vários obstáculos, e construir uma carreira no segmento da música. Além de suas obras autorais, já trabalhou produzindo faixas de músicos como o rapper Rincon Sapiência.
Utilizando sua experiência na área e os longos anos de videogame, o novo desafio profissional de Wzy é fazer o design de som de um game nacional, o 171, que será lançado para consoles das duas gerações mais recentes, como o Playstation 4, o Xbox Series X e também para PC.
O trabalho consiste em dar vida aos sons do jogo, que ficou conhecido como o GTA brasileiro, em alusão à famosa franquia de games de ação norte-americana Grand Theft Auto. Para conseguir isso, nem sempre a solução é óbvia. Um bacon fritando, por exemplo, pode acabar virando barulho de chuva no game. “Esse é o lance onde às vezes não enxergar ajuda. Achei demais fazer isso, porque quase tudo tem potencial para ser uma coisa diferente”, diz o designer de som.
Wzy conta que alguns jogos são mais difíceis para ele se adaptar. “Jogo de tiro é bem difícil, porque tem de mirar. Então, a visão é essencial”.
Os jogos que ele mais gosta são os de luta. A falta de acessibilidade para deficientes, na maioria dos jogos, acaba tornando difícil às pessoas com deficiência aproveitar todos os títulos, por não serem tão intuitivos.
No ano passado, um dos grandes destaques em termos de acessibilidade foi o game The Last of Us Part II, da Naughty Dog. Ele conta com um complexo sistema de sons que indica as ações que devem ser tomadas, bem como os botões que devem ser apertados na hora certa. “Fazia anos que eu não zerava um jogo de aventura, e eu zerei o The Last of Us Part II sem dificuldade alguma”, conta Wzy. O jogo foi indicado na categoria maior inovação em acessibilidade no Game Awards, o Oscar dos games, nos Estados Unidos.
A principal dificuldade para se criar um jogo com acessibilidade é que, diferente de um filme, não basta descrever as cenas que ocorrem. O objetivo é fazer o jogo fluir tão naturalmente para um deficiente visual quanto para quem enxerga. Daí o sistema de diferentes sons que representam ações, botões, perigos e opções do game. “Demanda estudo e tempo, e as empresas trabalham com tempo”, explica o professor de animação e jogos Alexandre Alves Valença Barbosa. “Existem pequenos desenvolvedores que procuram criar aplicativos e jogos para esse público, mas são poucos”.
Para Wzy, a falta de acessibilidade em jogos é mais uma questão de desconhecimento. “Na verdade, a maioria das empresas nem sabe que é possível. Não é que eles não queiram que cegos joguem os jogos deles”, diz. “Quando eu converso com as pessoas, elas têm sempre a mesma reação, que é dizer que não sabia que era possível”.
O público, mesmo assim, existe. “Se uma empresa se dedicasse a essa fatia de consumidores, com certeza teria sucesso, porque a carência de softwares para necessidades especiais é grande”, afirma Alexandre Barbosa.
“Quando a gente perder essa barreira de que acessibilidade significa somente tornar coisas acessíveis para pessoas com deficiência”, avalia Wzy, “aí vamos realmente entender o que é acessibilidade de fato. Acessibilidade é para todo mundo. Quem não fala inglês vê filme com legenda, com dublagem. Isso também é acessibilidade, só que para pessoas que não são deficientes”.
Fonte https://g1.globo.com/google/amp/sp/santos-regiao/educacao/noticia/2021/02/27/gamer-cego-supera-falta-de-acessibilidade-e-se-mantem-no-mundo-dos-jogos.ghtml
Postado por Antônio Brito
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