Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o transtorno do espectro do autismo é definido por características que afetam o comportamento social, a comunicação e a linguagem do indivíduo, que está focado em um conjunto restrito de atividades e interesses únicos de seu contexto.
Normalmente, as características do autismo aparecem nos primeiros cinco anos de vida e tendem a persistir durante a adolescência e a fase adulta. O transtorno é normalmente identificado em três níveis, conforme a dificuldade de comunicação: grau 1 (leve), grau 2 (moderado) e grau 3 (severo).
Quando ficam mais velhos, os autistas severos podem ter mudanças de comportamento que surpreendem os pais. Como a comunicação verbal é restrita, essa compreensão é muito limitada.
"Eles podem ficar mais agressivos. E como agora eles têm mais força, com um corpo de adulto, fica ainda mais difícil de serem contido pelos pais, que estão mais idosos", analisa a especialista em biologia molecular Graciela Pignatari, que estuda os mecanismos biológicos presentes no autismo.
As mudanças de comportamento
O casal Eduardo e Alba Milena, de Santo André (SP), estava acostumado com a rotina do filho Lucas, um autista não-verbal que também apresenta quadro de epilepsia —uma doença comum em pessoas que têm o transtorno. O dia a dia de Lucas se resumia a terapias, consultas médicas e atividades variadas em uma escola de educação especial em São Bernardo do Campo (SP).
Há cerca de dois anos, após completar 22 anos, a comunicação ficou mais difícil. Lucas, que sempre havia se mostrado obediente com os pais, começou a ter surtos agressivos mais frequentes e duradouros que o normal para sua condição. "Ele começou a se impor. Percebemos que estava virando um homem que começou a confrontar os pais", conta Eduardo.
Esse processo não aconteceu do dia para a noite; foram cerca de sete meses, ao lado de médicos, terapeutas e profissionais da escola, tentando entender o que estava acontecendo com ele. "Um dia, o Lucas teve uma crise agressiva de oito horas, e aí percebemos que não tínhamos mais controle físico e emocional sobre ele", relata a mãe.
Depois de muitas pesquisas e conversas, os pais foram convencidos de que a saída seria um tratamento mais direcionado, 24 horas por dia, em uma clínica especializada no cuidado com autistas severos. Lucas passaria a viver na clínica; a casa de Eduardo e Alba, agora, seria um local para visitar nos fins de semana.
Para o casal, esse foi o maior sofrimento. Eles mudaram para Atibaia (SP), onde fica a clínica, para ficar mais perto do filho. A recompensa foi vê-lo rapidamente adaptado ao seu novo lar —em uma semana, já não havia mais resquício dos surtos agressivos.
"Tivemos que contar com a ajuda da minha irmã para encontrar essa solução, porque não tínhamos condição de pensar nisso. Mas conversamos com o Mauro, fundador da clínica, e percebemos que esse era o caminho", diz Alba.
O que acontece com o autista quando chega à fase adulta?
Basicamente, como aconteceu com o Lucas, o autista passa por mudanças hormonais análogas a qualquer pessoa que chega à adolescência e à fase adulta e sofre, muitas vezes, de uma crise de identidade.
"Você começa a criar condições físicas, mentais e psíquicas para enfrentar a realidade, com essa obrigação de ter maturidade. Isso também acontece com o autista. Só que ele não consegue entender esse processo de uma maneira linear e nem absorver esse conceito", explica o psicólogo Mauro Sérgio Stepanies, fundador do Núcleo de Integração Luz do Sol, a clínica especializada que recebeu Lucas.
Segundo Graciela Pignatari, essa situação é agravada pela tendência de alguns pais de infantilizarem o filho que possui o transtorno —e que também busca ter alguma independência, de acordo com a sua visão particular sobre o mundo. "O fato de ser autista não descarta que eles tenham questões de crescimento como nós temos, como a puberdade ou a necessidade de ter uma relação sexual, por exemplo", comenta Pignatari.
O cuidado necessário
Independentemente da idade, o tratamento de autistas estimula a interação social por meio de terapia ocupacional, psicoterapia e outros recursos para que ele tenha uma qualidade de vida melhor.
Considerando essas mudanças que afetam o comportamento dos filhos na chegada à fase adulta, os pais continuarão contando com o apoio dos profissionais especializados no trabalho com autistas, entre terapeutas, psicólogos, médicos e cuidadores, para serem mais assertivos no tratamento.
"O terapeuta comportamental pode dar orientações, por exemplo, sobre a questão da sexualidade, de como os pais devem agir com os filhos. Essa é uma das coisas que mais mexe com as pessoas nessa passagem da adolescência, e o terapeuta comportamental é fundamental para ajudar nesse processo", indica a psicopedagoga Cristiane Martins Bianco, diretora da escola de educação especial CrerSer, em São Bernardo do Campo, que recebe alunos que possuem algum tipo de deficiência.
Mas o ponto principal, tanto para os pais quanto para os especialistas, é observar e entender quais são as demandas do autista. "O Lucas é o meu mestre", define Mauro Sérgio Stepanies. "Ele me ensina quais são suas limitações. Temos que criar um ambiente para eles e aceitá-los como são."
Tão importante quanto cuidar do autista é que os próprios pais e familiares procurem ajuda para tratar do emocional e do psicológico nessa fase de transição. "Os pais precisam de trabalho terapêutico. Não é só cuidar dos filhos; eles precisam cuidar de si mesmos", ressalta Mauro.
A quem recorrer
A solução encontrada para o Lucas foi a clínica particular especializada no tratamento a autistas severos, num modelo de residência assistida. Mas Graciela Pignatari ressalta que cada um que possui o transtorno precisa ser avaliado individualmente, e a resposta para o tratamento sairá a partir dessa avaliação. "Não existe autismo igual para todos. Eles têm que ser vistos como pessoas únicas", afirma.
Além das opções de terapia e residência, os pais podem recorrer também às AMAs (Associação de Amigos do Autista) e outros grupos e fundações com experiência no tema, que servem como apoio psicológico. "Foi num evento de uma AMA em São Paulo, por exemplo, que eu conheci a residência assistida, e eles estão lutando para que esse modelo se torne mais viável no Brasil", conta Graciela.
Segundo os especialistas, no entanto, não se deve esperar essa mesma compreensão em relação a hospitais e outras unidades de saúde, que têm muita dificuldade no cuidado com um paciente autista, segundo o relato de pais e especialistas. "A sociedade e o poder público precisam investir nos profissionais da saúde para que eles se capacitem no cuidado com autistas. Eles não aprenderam isso na faculdade", diz Mauro.
Eduardo e Alba, por exemplo, sofreram com esse desconhecimento dos profissionais quando tiveram que levar o Lucas a hospitais durante seus surtos de agressividade. "Eles não sabem o que fazer, e aí encaminham para um hospital psiquiátrico", conta Alba.
Ao chegar ao hospital psiquiátrico, particular, a experiência foi ainda mais desalentadora. "Fomos orientados a não interná-lo ali. Ele, um autista severo, ficaria junto com pacientes esquizofrênicos e dependentes químicos", conta a mãe. "O sistema de saúde não está preparado. Não tem amparo."
Eduardo e Alba ressaltam que, se o atendimento já é muito deficiente em hospitais particulares, a situação é muito pior em unidades públicas. Por isso, agradecem por terem condições financeiras de levar Lucas para profissionais especializados e se dizem gratos pelo investimento no cuidado com ele.
"Desde o começo, colocamos ele numa escola especial e em todas as terapias. Nunca acreditamos no discurso de 'não adianta, ele não vai melhorar' que ouvimos de alguns médicos", diz Eduardo.
Esse cuidado direto também levou o casal a uma compreensão melhor —ainda que um tanto conturbada— sobre a condição do filho quando ele se tornou adulto.
"Vimos que ele quis o espaço dele. Um pai de um autista precisa entender o que acontece e respeitar essa decisão. Que pode ser doída para a gente, mas é a melhor para ele", diz Alba. "Graças a Deus, ele está num lugar onde é super bem tratado, junto com outros autistas que têm as mesmas, ou até mais, dificuldades que ele. Essa foi a escolha dele, e a gente respeita", conclui Eduardo.
Meu Deus, é mais preocupante do que eu pensava,tenho um Autista severo,com DI, está com 33 anos,ele é tranquilo,mas não sei o dia de amanhã,preciso muito de ajuda,me preocupo demais com meu filho,e sei que não há lugares gratuitos que possam cuidar bem, é muito triste a realidade dos Autistas severos e adultos,eles são invisíveis para a sociedade.
ResponderExcluirInfelizmente Brasil.
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