A pediatra Flavia Regina de Oliveira corre desde 2013, mas só em outubro do ano passado viveu uma experiência que mudou sua relação com a corrida. Em uma prova de 15 km, ela não participou sozinha e, sim, ao lado da equipe do projeto Pernas de Aluguel, criado em 2014, na cidade de São Paulo, com o intuito de emprestar o movimento a quem não pode mais usá-lo por conta própria.
Ao longo do percurso, Flávia recebeu a missão de conduzir o triciclo adaptado de Dani, uma criança de oito anos que frequenta a associação Rainha da Paz, de Santana do Parnaíba, parceira do Pernas de Aluguel.
"Esse dia estava muito quente e a gente trabalhou a força de vontade da Dani, que nasceu com um problema nas pernas que a impossibilita de andar. A cada quilômetro conquistado por nós, eu reforçava: 'Dani, pense como você é forte e guerreira", lembra a médica, que acredita ter recebido mais do que doado com a vivência. "Quero repetir a dose, sem dúvida".A corrida pelo outro
Eduardo de Godoy, engenheiro e criador do Pernas de Aluguel, conta que a ideia nasceu por conta do filme "Meu Pai, Meu Herói (2013)", inspirado na história real do ex-atleta norte-americano Dick Hoyt, que leva seu filho com paralisia cerebral para disputar com ele corridas de rua e triatlo. Inicialmente, o Pernas de Aluguel se concentrava em provas de São Paulo, mas houve interessados de outras cidades e hoje eles também correm em cidades do ABCD, Campinas e Belo Horizonte, e já tiveram experiências em Hortolândia, Volta Redonda (dois anos) e São Carlos.
Cátia de Oliveira, responsável pela divulgação do Pernas de Aluguel, explica que é preciso fazer uma organização prévia de cada prova que vão disputar. O primeiro passo é analisar o trajeto (geralmente varia de 5 a 10 km), para checar se há viabilidade de levar as pessoas com deficiências motoras para participar. Depois, é a vez de Eduardo entrar em contato com a organização da corrida de rua selecionada e conversa previamente para que o projeto seja autorizado a participar.
O Pernas de Aluguel disponibiliza um triciclo adaptado e também se preocupa em levar e buscar os participantes interessados na corrida. "Às vezes, há um pai ou uma mãe que tem um filho com deficiência motora e quer se juntar a gente para correr ou o levarmos", explica Eduardo. Antes da largada, o Pernas de Aluguel pede uma autorização médica, já que não são todas pessoas que podem participar de um exercício físico de alto impacto como é a corrida.Cátia explica ainda que geralmente há mais voluntários do que pessoas para conduzir nos triciclos, por isso os corredores se revezam na função, para que todos possam ter a experiência e curtirem juntos. "Para nós, é muito importante saber que ir a uma corrida de rua é uma motivação para a pessoa sair de casa. Na corrida Disney Magic Run, em 2019, levamos uma senhora de 85 anos que teve um AVC. A alegria dela de sentir o vento no rosto foi muito gratificante". No ano passado, o Pernas de Aluguel estreou na São Silvestre, a prova de rua mais tradicional do Brasil.
Mais quilômetros de solidariedade
Em São Paulo, outras corridas de rua surgiram como missão de ajudar ao próximo com o dinheiro que arrecadam. Uma delas é a Corrida e Caminhada do Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer (GRAACC), que começou em 2000 como um evento pequeno dentro do Parque do Ibirapuera e que este ano chega à 20º edição com expectativa de receber mais de 10.000 participantes.
A superintendente do GRAACC, Tammy Rodrigues Allesdorfer, comenta que a finalidade principal da criação da prova é a conscientização do câncer infantil. Segundo ela, boa parte das crianças atendidas gratuitamente no ano passado pelo GAACC contaram com o apoio financeiro arrecadado na corrida.Outra corrida de rua que disponibiliza 100% do lucro a um projeto social é a Corrida Arrastão MPR pela Cidadania, criada em 2001 pelo treinador Marcos Paulo Reis e parceiros.
A proposta da iniciativa é ajudar o Projeto Arrastão, que desde 1968 trabalha nas comunidades do Campo Limpo e Jardim Roberto, na zona sul da capital paulista, com foco no ensino do empreendorismo, arte e cultura para crianças e adultos. O Arrastão tem ajudado até na organização cartográfica e espacial da região, como no registro junto à prefeitura de nomes das ruas e números das casas.
"Eu devo muito ao esporte e sempre pensei em retribuir isso de alguma maneira. Quando criamos a corrida, há 19 anos, foi uma forma de ajudar a comunidade do Campo Limpo e também para divulgar ainda mais o Projeto Arrastão, que faz um trabalho que eu acredito e admiro com crianças e adolescentes da região", diz Marcos Paulo.
No ano passado, o Arrastão contabilizou 13.735 atendidos nos programas educacionais e sociais, sendo 2.628 atendidos na sede e 11.107 atendidos em ações comunitárias e organizações parceiras, além de mais de 400 mil refeições servidas e 13 organizações beneficiadas pelos programas sociais e educacionais em escolas, universidades e organizações sociais.Como correr e ajudar
Para quem quiser contar com o serviço voluntário do Pernas de Aluguel, ou, fazer uma doação para a construção de novos triciclos adaptados, basta entrar em contato pelo site do projeto. Já para quem deseja correr a prova do GRAACC, em 10 de maio, as inscrições já estão abertas.
A 19ª edição da corrida do Projeto Arrastão está confirmada para o dia 20 de dezembro deste ano, a data de abertura para as inscrições ainda será definida.
Fonte https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/02/28/pernas-de-aluguel.htm
Postado por Antônio Brito
Nenhum comentário:
Postar um comentário