Dra. Tatiana Viola de Queiroz
Hoje em dia muito se fala em autismo, mas, você sabe o que esse termo significa? Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), autismo é um transtorno neurológico caracterizado por comprometimento da interação social e da comunicação verbal e não-verbal, bem como comportamento restrito e repetitivo (estereotipado).
Esse DSM agrupou o autismo, o transtorno desintegrativo da infância, o transtorno generalizado do desenvolvimento não-especificado (PDD-NOS) e a síndrome de asperger, como integrantes de um único diagnóstico chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA). O espectro agrupa desde um quadro mais leve (alta funcionalidade), com inteligência acima da média, a casos em que há deficiência intelectual (baixa funcionalidade).
De acordo com dados do Centro de Controle de Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, uma em cada 54 crianças em todo o mundo será enquadrada no Espectro, ou seja, esse é um tema de fundamental importância e uma questão de saúde pública.
Crianças ou indivíduos que se enquadrem neste conceito podem ter um tipo de comprometimento intelectual que, por sua vez, compromete seu desenvolvimento e evolução nas esferas social e acadêmica.
Assim, o autismo é uma síndrome comportamental que apresenta características básicas como:
- Dificuldade de interação social;
- Déficit de comunicação social, tanto quantitativo quanto qualitativo;
- Padrões inadequados de comportamento que não possuem finalidade social.
Como o autismo é uma condição permanente, a criança nasce com autismo e torna-se um adulto com autismo. Assim como qualquer ser humano, cada pessoa com autismo é única.
E é muito importante destacar que o autismo não é uma doença, mas, sim, uma característica, assim como a cor dos olhos de cada um.
CONQUISTAS E DIREITOS
Por ser um transtorno que traz dificuldade de interação social; déficit de comunicação social, tanto quantitativo quanto qualitativo e padrões inadequados de comportamento que não possuem finalidade social, pessoas que estão no espectro enfrentam dificuldades e precisam que a ajuda para superar tais obstáculos estejam garantidas em lei para que haja uma maior probabilidade de respeito.
Como já dito, mas sempre importante ressaltar, autismo não é uma doença, mas uma característica que precisa de atenção especial, no entanto, para salvaguardar os direitos da pessoa incluída no TEA, a lei 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, considerou tal transtorno como deficiência, para que as pessoas possam ter seus direitos respeitados.
Essa legislação prevê a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo, por exemplo.
A Lei nº 13.146 de 2015 que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) define quem é a pessoa com deficiência e determina como deve ser a sua reabilitação, bem como a obrigatoriedade no diagnóstico e intervenção precoces.
DIREITO À SAÚDE
No âmbito do direito à saúde, para quem é beneficiário de plano de saúde particular, o principal problema enfrentado é o limite de sessões anuais de terapias que os planos privados impõe, no entanto, é fundamental destacar que esse consumidor está amparado pela lei para que todas as sessões prescritas pelo médico seja fornecidas ou custeadas. Esse usuário tem o amparo da lei 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde e determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde, que trata-se de uma relação de enfermidades catalogadas e padronizadas pela Organização Mundial de Saúde.
A CID 10, no capítulo V, prevê todos os tipos de Transtornos do Desenvolvimento Psicológico. Um destes é o Transtorno Global do Desenvolvimento, do qual o autismo é um subtipo.
Além disso, há a proteção do Código de Defesa do Consumidor que proíbe, entre outras práticas abusivas, a cláusula que limita o número de sessões de terapia.
Importante lembrar que o rol de procedimentos da ANS estabelece o mínimo obrigatório que as operadoras de planos de saúde devem cobrir e não o máximo, como elas alegam para seus consumidores.
Assim, o argumento das operadoras de seguir o que consta no referido rol da ANS não prevalece, eis que uma listagem emitida por órgão regulador não pode se sobrepor à lei 9.656/98, nem ao Código de Defesa do Consumidor, nem ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou seja, não pode limitar o que a lei não restringiu.
Fundamental destacar também que o médico é o responsável pela orientação terapêutica ao paciente, de forma que se a enfermidade necessita de tratamento prolongado, ou seja, se o profissional assistente não limitou a quantidade de terapias, não pode a operadora do plano de saúde pretender restringi-las.
Outra questão que os pais enfrentam é sobre a concordância das operadoras em custear o método ABA sob a alegação de que também não consta no rol da ANS, no entanto, a própria OMS indica esse tratamento como o mais adequado e com comprovação científica e a própria ANS já se manifestou que o ABA consta em seu rol, assim, esse argumento das operadoras de planos de saúde não prospera e o custeio é obrigatório.
Para os usuários do SUS – Sistema Único de Saúde a premissa é a mesma, pois possuem os mesmos direitos de acesso ao tratamento, assim, os entes públicos devem fornecer o tratamento também de forma especializada. Para ter acesso ao tratamento, a primeira providência é conseguir o diagnóstico e o laudo do médico, para isso, o usuário deve procurar a UBS – Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua residência e depois o CAPS – Centro de Atenção Psicossocial.
No Estado de São Paulo, caso o Estado não forneça o tratamento terapêutico adequado próximo à residência da pessoa autista, deve-se fazer um pedido administrativo para que o Estado cumpra a sentença da ação civil pública da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
Este pedido administrativo é uma carta encaminhada ao Secretário da Saúde pedindo uma entidade terapêutica pública ou privada, que tenha o atendimento de saúde especializado e próximo da casa onde reside a pessoa com autismo.
Se esse pedido administrativo não for atendido, deve ser acionado o Poder Judiciário.
Sempre importante destacar que a criança tem direito ao diagnóstico bem como à intervenção precoces, por isso, não aceite a demora, seja em âmbito público ou particular.
Para os casos em que houver a necessidade de medicação, esta será fornecida de forma gratuita mas, para isso, é fundamental que na receita conste o nome genérico do medicamento e não o nome fantasia. Com a receita em mãos o usuário deve ir a uma farmácia credenciada ou na rede própria do governo com documento de identificação com foto e solicitar o remédio.
Se este remédio for de alto custo e não estiver na lista padronizada do SUS, dificilmente o medicamento será fornecido sem uma ordem judicial, no entanto, o pedido de forma administrativa deve ser feito sempre. Caso haja negativa, será então preciso acionar o Poder Judiciário e comprovar três requisitos: que não há outro medicamento na lista do SUS que sirva para aquele paciente, que o medicamento pleiteado tem registro na ANVISA e que não possui condições financeiras de adquirir o remédio com recursos próprios.
FILAS, ASSENTOS E ATENDIMENTO PREFERENCIAIS
A Lei 10.048 de 08/11/2000 em seu artigo 1º determina que “As pessoas com deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as gestantes, as lactantes, as pessoas com crianças de colo e os obesos terão atendimento prioritário, nos termos desta Lei. Dessa forma, por serem considerados deficientes pela legislação, os autistas tem direito à fila preferencial, bem como ao atendimento preferencial em estabelecimentos públicos e privados. Os autistas também tem direito aos assentos preferenciais em transportes coletivos
Como o autismo não “tem cara”, caso haja qualquer questionamento ou problema, basta informar sobre a condição, no entanto, é importante ter sempre o laudo médico em mãos para a necessidade de comprovação.
INTERDIÇÃO E CURATELA
Para os autistas maiores de 18 anos que não possuem capacidade de gerir e decidir sobre a sua própria vida, há um instituto chamado de curatela. Por meio da curatela, uma pessoa maior e capaz ficará responsável por cuidar de todas as questões relacionadas a essa pessoa que precisa. Para que isso ocorra é necessário um laudo médico para iniciar um processo judicial onde será feito um estudo social, com acompanhamento do Ministério Público e, no final, o juiz decidirá se é caso de interdição com a instituição da curatela. Importantíssimo destacar que não é porque é autista e maior de idade que cabe a interdição e a curatela, esta somente será aplicada se ficar comprovado que a pessoa não tem capacidade de gerir a própria vida, por isso que somente será concedida via ordem judicial após a intervenção do Ministério Público e mediante um laudo médico detalhado.
JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA PARA OS PAIS E RESPONSÁVEIS
Muitos pais tem dúvida se tem direito a uma carga horária de trabalho reduzida para acompanhar o filho autista nas terapias. A Lei 13.370/2016 reduz a jornada de trabalho dos pais de filhos autistas para os funcionários públicos federais. Não há legislação específica para os funcionários das demais esferas administrativas nem para o setor privado. No entanto, para os funcionários públicos municipais e estaduais é possível solicitar a redução da jornada por meio de requerimento administrativo junto ao órgão gestor, apresentando a comprovação das necessidades do dependente e, por analogia à Lei Federal, solicitar a redução.
Para os trabalhadores do setor privado é preciso verificar junto ao RH a possibilidade desse benefício. Importante ressaltar que ainda não há um consenso no Judiciário sobre essa questão, dessa forma, ficará a critério de cada juiz decidir se cabe ao setor privado essa redução ou não, assim, sempre questione o sindicato do seu setor para ver também se há disposição na convenção coletiva sobre esse assunto.
ISENÇÃO DE IMPOSTOS PARA CARROS PCD
O autista tem como benefício o não pagamento de alguns impostos na compra de um automóvel zero quilômetro (IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados, de âmbito federal, o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação e o IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores, estes dois últimos de âmbito estadual), isso porque, por se enquadrar como deficiente, se beneficia da legislação que trata dessas isenções. Importante destacar que não há obrigatoriedade do autista comprar um veículo com câmbio automático, como é para os demais beneficiados da isenção, o que abre a possibilidade de compra de outros modelos de carros.
A isenção do IPVA também vale para carros usados. No estado de São Paulo, infelizmente, o Governador João Doria, por meio do Projeto de Lei 529/2020 vem trabalhando para extinguir esse direito das pessoas autistas à isenção do IPVA, pois, no entendimento dele, a isenção valeria apenas para “pessoa com deficiência física severa ou profunda que permita a condução de veículo automotor especificamente adaptado e customizado para sua situação individual”, o que não enquadra os autistas.
VENDA DO AUTOMÓVEL QUE JÁ POSSUI A ISENÇÃO
Para os casos em que já ocorreu a compra com isenção e será feita a venda, importante destacar que será necessária uma autorização judicial, uma vez que esse automóvel é do menor autista, ou do maior autista curatelado. Assim, como ninguém pode vender bem que não lhe pertence, é requisito para a venda e transferência do veículo a autorização judicial, ou seja, será necessária uma ação judicial com intervenção obrigatória do Ministério Público. Fundamental ressaltar que um veículo adquirido com isenção só pode ser vendido após 2 (dois) anos da data da sua compra.
RODÍZIO DE VEÍCULOS
Em algumas cidades do país, como São Paulo, há restrição de circulação de veículo automotores em horários específicos e, para as pessoas autistas é possível solicitar a liberação desse rodízio.
A placa do veículo será cadastrada no DETRAN e, mesmo que seja recebida alguma notificação de infração, esta será cancelada automaticamente.
VAGAS ESPECIAIS
Por ser deficiente, o autista tem direito a estacionar o carro em vagas especiais, no entanto, para comprovar esse direito é obrigatório o uso do cartão DEFIS, pois, caso não coloque o cartão, o automóvel pode ser multado e até mesmo guinchado.
TRANSPORTE COLETIVO TERRESTRE E AÉREO
A pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo possui o benefício do Passe Livre, instituído pela Lei 8.899/94 que garante a gratuidade no transporte interestadual à pessoa autista que comprove renda de até dois salários mínimos.
A solicitação desse benefício deve ser feita no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) mais próximo da residência do requisitante.
Os municípios também costumam ter sua própria legislação para concessão de passe gratuito para deslocamentos dentro da cidade. Na capital de São Paulo, por exemplo, a concessão do bilhete único especial é realizada pela SPTRANS. Mais informações em http://www.sptrans.com.br/bilhete_unico/ especial.aspx .
Para as viagens de avião em que o autista precise de auxílio durante o trajeto por uma pessoa maior de 18 anos, este acompanhante terá um desconto médio de 80% em sua passagem. Este pedido deve ser feito diretamente à empresa aérea que fará o vôo e deve ser solicitado mediante laudo médico detalhado que comprove a necessidade.
BPC – BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
Muitas pessoas acreditam que por ser autista, automaticamente terá direito ao BPC, no entanto, não é bem assim.
A Lei 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) oferece o Benefício da Prestação Continuada (BPC) para os autistas que cumprirem os requisitos da lei que são: a comprovação da deficiência por meio de laudo médico que o impeça de se sustentar ou sua família e a renda mensal per capita da família deve ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
Caso se enquadre nos requisitos, o autista receberá um salário mínimo (nacional vigente). É importante destacar que esse benefício não é uma aposentadoria e, portanto, não é permanente. Se algum dos requisitos se alterar ao longo do tempo, por exemplo, se a renda da família vier a aumentar, o benefício pode ser suspenso. A concessão do BPC é revista a cada dois anos para avaliação de sua continuidade e será cessada sempre que os requisitos não estiverem mais presentes.
Para requerer o BPC é necessário fazer a inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e o agendamento da perícia no site ou aplicativo do INSS.
MEIA ENTRADA
O DECRETO Nº 8.537, DE 5 DE OUTUBRO DE 2015 que regulamenta a Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013, e a Lei nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013, dispõe em seu artigo 1º o benefício da meia-entrada para acesso a eventos artístico-culturais e esportivos por jovens de baixa renda, por estudantes e por pessoas com deficiência.
O art. 2º considera pessoa com deficiência aquela que possui impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com outras pessoas;
E acompanhante é aquele que acompanha a pessoa com deficiência, o qual pode ou não desempenhar as funções de atendente pessoal.
Sendo assim, o autista tem direito à meia entrada em eventos culturais e esportivos, bem como o seu acompanhante. É importante frisar que não há necessidade de ser baixa renda e para que o acompanhante tenha direito também não é preciso que o deficiente dependa dele para realizar as suas atividades.
EDUCAÇÃO
A Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, mais conhecida como Lei Berenice Piana determina em seu artigo 3º que São direitos da Pessoa com transtorno do espectro autista o acesso à educação e ao ensino profissionalizante.
No entanto, é necessário frisar que a Lei Berenice Piana, não foi o primeiro ato normativo voltado a assegurar à criança portadora de necessidades especiais o acesso ao Ensino Regular pois, antes dela temos a Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) que em seu artigo 59 determina que os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos para atender às suas necessidades, bem como professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns.
O Decreto nº 6.949 de 2009 que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência também contribuiu sobre as necessidades dos alunos especiais, junto ao ensino regular. Em seu artigo 24 determina que para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas.
As “adaptações razoáveis” mencionadas acima encontram-se definidas na própria convenção, especificamente no seu art. 2: “Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
É dever do estado suprir as necessidades que surgirem para aplicação dos dispositivos, seja quanto a capacitação de pessoal para que possam lidar de forma adequada com os portadores de TEA, seja por intermédio de políticas públicas que visem a conscientização e informação quanto aos diversificados aspectos do autismo, bem como o incentivo à pesquisa que, ao longo dos séculos, tem sido o principal fomentador para que se possa entender as diferentes dimensões do autismo. Por mais que a referida norma, de forma clara, possibilite ao ente desenvolver essas políticas, seja por intermédio de contratos público ou convênios firmados com particulares, a realidade se mostra muito paralela ao esperado.
A conceituação do que é a Educação Especial nos é dada pelo art. 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/1996, que define:
“Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Assim, o autista terá direito à adaptação da forma como o conteúdo é transmitido a ele, mas não à adaptação do conteúdo em si. Tem direito, inclusive, à adaptação das provas e avaliações.
No caso do Estado de São Paulo, igualmente ao tratamento terapêutico, caso o Estado não forneça educação especializada próxima da residência da criança ou adolescente autista, deve-se fazer um pedido administrativo para que o Estado cumpra a sentença da ação civil pública da 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
Este pedido administrativo é uma carta encaminhada ao Secretário da Educação pedindo uma escola privada ou pública, que tenha a educação especializada e próxima da casa onde reside a criança ou adolescente com autismo.
Além disso, a criança dentro do espectro terá direito ao professor auxiliar ou acompanhante terapêutico ou ainda terapeuta sombra somente se o médico determinar, ou se na escola ficar constatado que há essa necessidade. Esse profissional terá o objetivo de “traduzir” o conteúdo para uma linguagem que o autista possa compreender.
Não é porque é autista que terá o direito ao acompanhante de forma automática, é preciso que haja a determinação médica ou o pleito da própria escola.
Uma questão importante, se o médico prescrever o acompanhante e a escola se negar, a instituição de ensino deve provar que não há essa necessidade. Não basta a recusa. E caso não consiga comprovar, deve fornecer o acompanhante sob pena de multa e ação por danos materiais e morais.
As escolas, tanto as públicas quanto as privadas, devem fornecer o professor auxiliar para os casos em que houver indicação e não é permitida a cobrança de nenhuma taxa ou valor adicional por isso. Se você for cobrado a parte, denuncie.
Fundamental lembrar que todo pedido deve ser feito de forma escrita, com comprovante de protocolo, para que seja possível provar a solicitação.
O estudante autista também tem direito ao transporte até a escola. Na cidade de São Paulo, a Lei nº 16.337, de 30 de dezembro de 2015, que trata do serviço Atende+ determina em seu artigo 1º expressamente o atendimento aos estudantes autistas por meio de transporte em veículos do tipo van, similares ou táxis, devidamente adaptados para o transporte confortável e seguro de seus usuários e seus acompanhantes. O Serviço Atende disponibilizará atendimento regular de transporte realizado por meio de uma programação de viagens fixas e regulares. Ou seja, o estudante que precisar deve entrar em contato com a SP Trans, por meio do telefone 156 e solicitar o serviço.
MERCADO DE TRABALHO
Como determina a lei, empresas com mais de 100 funcionários tem obrigação de incluir pessoas com alguma deficiência em seu quadro, por conta disso, muitas disponibilizam vagas exclusivas para autistas.
No entanto, não basta empregar, é preciso proporcionar condições ideais de trabalho de acordo com as características de cada indivíduo, adequando o local e o modo de trabalho minimizando qualquer dificuldade.
Além disso é fundamental preparar a equipe para receber e acolher esse novo profissional, fornecendo as informações necessárias para que os funcionários conheçam mais sobre o Transtorno do Espectro Autista e, claro, ressaltar a necessidade do respeito às possíveis situações de dificuldade de expressão entre outras.
AINDA HÁ MUITO POR FAZER
Como vimos, os autistas já garantiram inúmeros direitos, no entanto, ainda há muito por fazer, especialmente quanto ao preconceito e ao efetivo cumprimento da legislação vigentes.
Um grande problema enfrentado pelas crianças autistas é a discriminação no âmbito escolar. Muitas instituições de ensino, inclusive, se recusam a matricular tais crianças e é imprescindível lembrar que, para as escolas que recusarem tais matrículas, a Lei 12.764 prevê multa de 3 a 20 salários mínimos.
Não é possível estabelecer limite de vagas para alunos portadores de qualquer tipo de deficiência por turma, muito pelo contrário, a matrícula destas crianças é obrigatória de acordo com a Lei Federal nº 7.853/89.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência determina em seu artigo 27 que um sistema educacional inclusivo constitui um direito da pessoa com deficiência. E o artigo 4º da Lei 12.746/2012 dispõe que a pessoa autista não sofrerá discriminação por motivo da deficiência.
Dessa forma, limitar o número de vagas em razão da deficiência caracteriza conduta discriminatória e ilegal.
Importante fazermos uma diferenciação, uma coisa é não ter vaga na escola para nenhum aluno e por isso a matrícula ser negada, e quanto a isso não há ilegalidade, outra coisa, bem diferente, é alegar que não há vaga apenas para as crianças deficientes, isso sim é ilegal.
Outra grande dificuldade enfrentada é o bullying, que é uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully, que significa valentão, brigão. Estas situações devem ser comunicadas à coordenação e à direção da escola, que irão definir as estratégias de intervenção a partir de seu projeto pedagógico e das diretrizes apontadas pela Secretaria Estadual de Educação.
No mercado de trabalho, apesar da lei determinar o emprego de deficientes, estima-se que cerca de 80% das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) estão fora do mercado de trabalho. Só no Brasil, esse número pode chegar a 1,4 milhão. Ou seja, essa é uma deficiência com maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho.
A sorte de problemas enfrentados é tão grande que há um projeto de lei (PL 1688/19) tramitando em caráter de urgência na Câmara dos Deputados para a criação de um disque-denúncia para relato de casos de discriminação. O objetivo da lei é obrigar o poder público a criar esse canal e oferecê-lo à população em âmbito nacional.
Além das negativas de matrículas, todo tipo de preconceito sofrido poderá ser denunciado, como impedimento na contratação de planos de saúde, cobertura negada, discriminação no mercado de trabalho ou em qualquer outro local e situação.
Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, há cerca de dois milhões de pessoas enquadradas no espectro. No entanto, essa informação fora obtida em uma amostra realizada na cidade de Atibaia/SP e replicada para o restante do país.
A boa notícia é que os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluirão as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista. A nova regra, instituída pela Lei 13.861 de 2019, foi publicada na edição de 19/07/2019 do Diário Oficial da União (DOU).
A inclusão de perguntas sobre o autismo no censo contribuirá para determinar quantas pessoas no Brasil apresentam esse transtorno e como elas estão distribuídas pelo território, obtendo, dessa forma, um número mais verdadeiro. Com tais dados é possível direcionar as políticas públicas de forma mais adequada para que os recursos sejam corretamente aplicados em prol de quem tem autismo.
No entanto, em função das orientações do Ministério da Saúde relacionadas ao quadro de emergência de saúde pública causado pela COVID-19, o IBGE decidiu adiar a realização do Censo Demográfico para 2021, mas esperamos que esse censo realmente nos dê melhores e mais verdadeiros números relacionados ao autismo, para que políticas públicas adequadas sejam elaboradas e colocadas em prática.
Como se viu, inúmeras garantias e direitos foram alcançados, contudo, ainda há muito por fazer e, grande parte disso, depende da mobilização da sociedade, de pais, professores, médicos, terapeutas e todas as pessoas direta e indiretamente relacionadas ao autismo para que exijam que a legislação em vigor seja cumprida.
Cabe a nós, enquanto sociedade, exigir o efetivo cumprimento da lei para que os autistas tenham seus direitos garantidos na prática.
- Dra. Tatiana Viola de Queiroz – Advogada com mais de 17 anos de profissão, sócia fundadora do Viola & Queiroz Advogados, escritório especialista em autismo, Pós Graduanda no Transtorno do Espectro Autista pela CBI of Miami. Pós Graduada e especialista em Direito Médico e da Saúde, Pós Graduada e especialista em Direito do Consumidor e em Direito Bancário; Membro Efetivo da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB São Paulo. Contato (11) 98863-2023, www.violaequeirozadvogados.com.br e redes sociais: @violaequeirozadvogados
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