Rotina
de 40 horas semanais de terapias pode gerar exaustão emocional em mães e
crianças; abordagens personalizadas e mais humanas ganham força entre
especialistas
Para milhares de famílias no Brasil que têm filhos diagnosticados com
autismo, o que começa como uma busca por apoio e desenvolvimento muitas
vezes se transforma numa rotina intensa de terapias, deslocamentos e
metas rígidas — e para as mães (ou cuidadoras principais), esse esforço
persistente pode significar esgotamento físico, emocional e
psicológico.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
mostram que, no Censo 2022, 2,4 milhões de brasileiros responderam já
ter sido diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) — cerca
de 1,2% da população. Dentro desse número, aproximadamente 1 a cada 43
crianças brasileiras de até 9 anos de idade são autistas. Esses números
ajudam a dimensionar a relevância do tema para milhões de famílias — e a
necessidade de reflexão sobre como as intervenções são oferecidas.
Alice Tufolo, psicóloga e Conselheira Clínica da Genial Care, rede de
cuidado de saúde atípica especializada em crianças autistas e suas
famílias, analisa esse cenário. “Nos últimos anos, o número de pessoas
diagnosticadas tem aumentado exponencialmente, e tem se evidenciado a
urgência de se pensar nas intervenções e nos suportes para essas
pessoas, pois se observa um cenário em que há poucos profissionais
especializados em relação à quantidade de pessoas diagnosticadas. Além
disso, as intervenções exigem alta carga horária, o que as torna
frequentemente onerosas e assim pouco acessíveis”, destaca.
A Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) publicou uma
nova diretriz com recomendações atualizadas para o diagnóstico e
tratamento do transtorno do espectro autista (TEA), e o texto diz, entre
outras orientações, que a carga horária e frequência do tratamento
devem ser indicadas após avaliação individual feita pelo profissional
clínico responsável.
Estudos antigos versus novas realidades e demandas
Historicamente, muitos programas de intervenção intensiva partem de
estudos como o do psicólogo e pesquisador norueguês Ole Ivar Lovaas.
Realizado em 1987, o estudo utilizou os critérios diagnósticos do
DSM-III, que ainda adotava a nomenclatura “Transtorno Autista Infantil” e
não incluía a noção de espectro, conceito incorporado apenas a partir
do DSM-5, em 2013.
Naquele período, também não existia a classificação atual por níveis
de suporte: nível 1 (requer apoio), nível 2 (apoio substancial) e nível 3
(apoio muito substancial). Além disso, precisa ser considerado que o
estudo incluiu apenas participantes TEA com déficits intelectuais, o que
pode ter limitado a diversidade de perfis e, consequentemente, a
representação dos diferentes níveis de suporte descritos atualmente.
Alice Tufolo questiona essa lógica fixa de horas: “A intensidade da
intervenção tem seu valor, mas ela precisa ser responsiva e
individualizada, levando em conta quem é essa criança, o momento de
desenvolvimento em que ela está, os objetivos terapêuticos e a realidade
da família”, explica. “Uma carga horária excessiva pode gerar impactos
negativos, como exaustão, sobrecarga familiar e privação de experiências
cotidianas importantes.”
Dados revelam sobrecarga concentrada nas mães
Segundo a pesquisa Retratos do Autismo no Brasil,
realizada pela Genial Care em parceria com a Tismoo.me, 86% das pessoas
responsáveis pelo cuidado de crianças autistas são mães, enquanto os
pais representam apenas 10% das respostas. Além disso, 68% das
cuidadoras afirmam não ter tempo para descanso ou autocuidado.
Para as mães, que muitas vezes coordenam, agendam, transportam e
gerenciam múltiplas sessões de terapia, a rotina se torna um ambiente de
constante pressão: não apenas pela crença de que “quanto mais horas,
melhor”, mas por uma sensação de que descuidos ou pausas podem
comprometer o futuro da criança.
Tufolo observa que “muitas mulheres vivem sob enorme pressão,
sentindo que qualquer pausa ou ajuste nas terapias pode comprometer o
desenvolvimento do filho. Isso gera culpa, ansiedade e um esgotamento
silencioso.” E complementa: “Cuidar da criança também passa por cuidar
de quem cuida. A sobrecarga familiar não deve ser naturalizada.”
Rotina familiar, lazer e desenvolvimento integral
Outro aspecto destacado pela conselheira clínica da Genial Care é
que, ao maximizar horas de terapia, podem ser reduzidas ou
negligenciadas outras dimensões fundamentais da infância: brincar,
descansar, socializar, viver em família, ter rotina de lazer.
A rotina intensa pode ainda impactar a dinâmica familiar: menos
momentos de convívio livre, mais deslocamentos e menos flexibilidade
para “vidas normais” — o que pode gerar isolamento, desgaste conjugal,
impacto no bem-estar dos irmãos e na rede de apoio.
“O cálculo das horas de atendimento deve buscar um equilíbrio entre
frequência e intensidade terapêutica, sendo a carga horária calculada
com base em aspectos particulares do desenvolvimento da criança”,
destaca a especialista.
Caminhos para uma intervenção mais sustentável
Alice Tufolo propõe alguns princípios para tornar a intervenção mais sustentável, saudável e eficaz no contexto familiar:
- Avaliação individualizada de carga horária: em vez
de adotar as 40 horas semanais como norma universal, definir quantas
horas são realmente necessárias para os objetivos de cada criança, em
diálogo com a família.
- Parceria ativa com a família: envolver
pais/cuidadores como parceiros na intervenção, reconhecer sua capacidade
e limites, e ajustar a rotina de forma a priorizar o equilíbrio.
- Planejamento com metas claras: definir quais competências serão desenvolvidas, até que ponto, com que intensidade, e revisar este plano periodicamente.
- Redução gradual e transição: à medida que a criança
avança, é preciso repensar a intensidade da intervenção para abrir
espaço para autonomia, participação em atividades regulares e vida
escolar inclusiva.
- Valorização do tempo livre, brincar e participação social: garantir que a vida da criança inclua experiências pela escola, lazer, família, comunidade, e não apenas condição terapêutica.
“Não existe uma receita única. Uma intervenção eficaz não depende
apenas da quantidade de horas, mas da qualidade, da adequação ao perfil e
da articulação com o contexto familiar. A sobrecarga não deve ser
naturalizada”, reforça Alice Tufolo. “A seleção adequada dos objetivos, o
uso de práticas baseadas em evidências para o desenvolvimento dessas
metas, a carga horária ajustada à realidade da criança e de sua família,
e a garantia de um plano terapêutico que foque no desenvolvimento da
autonomia e da autorregulação se fazem necessários. Talvez, com tudo
isso em foco, seja possível vislumbrar, ao longo da vida dessa pessoa,
uma redução gradual da carga horária de intervenção e, quem sabe, até a
transição para intervenções pontuais”, conclui a conselheira clínica da
Genial Care.
___
Genial Care Genial Care é uma rede de cuidado de
saúde atípica especializada em crianças autistas e suas famílias. Com
várias clínicas em todas as regiões de São Paulo, a empresa combina
modelos terapêuticos próprios, suporte educacional e tecnologia avançada
para promover bem-estar e qualidade de vida no processo de intervenção.
Com uma equipe dedicada de mais de 250 profissionais, a Genial Care tem
como propósito garantir que cada criança alcance seu máximo potencial.
Fonte https://diariopcd.com.br/especialista-alerta-que-intervencoes-intensivas-no-autismo-sobrecarregam-familias/
Postado Pôr Antônio Brito