
OPINIÃO
- * Por André Naves
As maliciosas palavras do Presidente Donald Trump, ao ecoarem sem qualquer amparo científico, não são apenas sons passageiros; são sementes de desconfiança lançadas em solo público. Ao associar o paracetamol ao autismo e ao insuflar sua antiga e perigosa cruzada antivacinal, ele não apenas fala, mas desencadeia uma avalanche cujos destroços ameaçam soterrar pilares da nossa convivência.
Esse discurso irresponsável dissolve os alicerces da confiança na ciência, nutre a polarização que fragmenta a sociedade e arrisca congelar o avanço de pesquisas vitais. De forma ainda mais cruel, ele rega a erva daninha do capacitismo, pintando o autismo com as cores de uma “doença” a ser evitada, e não como um dos muitos e ricos matizes da neurodiversidade humana. Ao atacar a pluralidade, ele sabota o terreno fértil onde a criatividade e a inovação florescem, condenando-nos a um futuro menos justo, menos sustentável e menos luminoso.
O primeiro pilar a ruir sob o peso dessas falas é o da confiança na ciência. Quando uma voz de tamanha projeção global ataca um medicamento, ela não atinge apenas uma molécula, mas a própria essência do método científico. Diante disso, ergue-se o coro uníssono da comunidade médica e científica, reafirmando que não há evidências para tal conexão. Pelo contrário, a ciência nos mostra que a febre e a dor, se não tratadas durante a gestação, podem elas mesmas representar um risco real.
A desconfiança semeada aqui é a mesma que faz germinar o movimento antivacinal, que teima em dar as costas a décadas de provas sobre o poder das vacinas em nos proteger de tragédias coletivas.
Quando a luz da ciência se apaga, os indivíduos se perdem em labirintos de incerteza, tornando-se presas fáceis para as miragens das “fake news”. Essas teorias conspiratórias oferecem o abraço sedutor de respostas fáceis para angústias complexas. Neste vácuo, a sociedade se fratura em bolhas ideológicas, e o diálogo, essa ponte essencial para o bem comum, desmorona.
A colheita amarga dessa semeadura não tarda a chegar ao mundo real:
- O medo que paralisa: Pessoas, por pavor, abandonam tratamentos seguros e eficazes, colocando em risco a própria vida e a de seus filhos.
- A pesquisa que silencia: Um ambiente político hostil à ciência pode sufocar o financiamento de investigações cruciais, retardando descobertas que poderiam aliviar o sofrimento humano, inclusive sobre o próprio Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Estamos, perigosamente, trocando as ferramentas da razão e do cuidado pela ignorância deliberada.
Contudo, talvez a ferida mais profunda aberta por esse discurso seja a do capacitismo. Ao enquadrar o autismo como uma “doença” a ser curada, cuja origem poderia ser um ato trivial, Trump fere a dignidade de milhões de pessoas.
Ele ignora o que a ciência e a experiência humana nos ensinam: o autismo é uma das belas expressões do nosso mosaico humano, uma condição neurodiversa com raízes complexas e multifatoriais. Não é uma falha a ser corrigida, mas um outro mapa para navegar o mundo, uma outra canção para sentir a existência.
Uma sociedade que teme esse mosaico é uma sociedade que escolhe a monotonia em vez da sinfonia. A criatividade, a inovação e o progresso nascem justamente do encontro de diferentes olhares, da colisão de perspectivas, da celebração da diversidade. Marginalizar a neurodiversidade não é apenas uma injustiça social; é um ato de autossabotagem que empobrece nosso futuro.
Em resumo, a palavra irresponsável gera uma cascata de dor. Nossa tarefa, como guardiões da Dignidade Humana, é acender a luz da ciência, da alteridade e do respeito nas sombras da ignorância.
A Beleza, afinal, está em enxergar e celebrar o valor de cada ser humano em sua irredutível e maravilhosa plenitude. Mantenhamos, sempre, a chama da esperança acesa, lutando por um mundo onde o conhecimento prevaleça sobre o preconceito.
- * André Naves é Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política – PUC/SP. Cientista Político – Hillsdale College. Doutor em Economia – Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
Conselheiro do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
www.andrenaves.com
Instagram: @andrenaves.def
Fonte https://diariopcd.com.br/o-veneno-da-desinformacao/
Postado Pôr Antônio Brito
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