Quase todo jovem tem dúvidas sobre o futuro. As incertezas sobre a carreira, o medo de não conseguir um emprego são comuns. Quando se trata de pessoas com deficiência, os obstáculos costumam ser ainda maiores. Além de dar conta de perguntas como “vou terminar os estudos?”, “será que vou conseguir morar sozinho?”, eles precisam enfrentar ainda a batalha pela inclusão, que nem sempre é fácil. Em uma sociedade que ainda tem preconceitos e está, muitas vezes, despreparada para atender necessidades específicas no ambiente de trabalho ou escolar, é necessário acreditar e se impor. Para a paraibana Laissa Guerreira (pelo sobrenome que adotou, já se percebe a força da menina de 15 anos, que tem Atrofia Muscular Espinhal), o segredo é ter voz ativa. “Não sou de ficar calada. Brigo pelo meu direito à vida, se precisar dou meus gritinhos para o povo escutar”, diz a adolescente, que é bailarina, roqueira e militante pela distribuição de remédios para o tratamento de sua condição.
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O paulistano Guilherme Campos, que tem síndrome de Down, também já aprendeu que sua deficiência não é um impeditivo para nada. Formado em Gastronomia, ele trabalha em um renomado restaurante da capital paulista e sonha em abrir seu próprio negócio. Com a mesma deficiência, Gabriel Ribeiro Facchini tornou-se fotógrafo da Prefeitura de São Paulo. Todos são exemplos de que é possível enxergar as potencialidades da pessoa antes de sua deficiência. “A diversidade faz parte da existência humana. A eventual deficiência de alguém é uma de suas características, mas não é o que define uma pessoa. Infelizmente, a sociedade tem viéses que geram associações equivocadas, como a de deficiência com incapacidade. Isto resulta em rótulos e barreiras que evitam que a inclusão aconteça de forma plena. Mas esta nova geração está aí, mostrando que todos podem ser protagonistas da própria história, já que o mundo é um lugar onde cabem todos”, diz Henri Zylberstajn, fundador do Instituto Serendipidade, que atua na inclusão de pessoas com deficiência intelectual.
Conheça a seguir as histórias de Laissa, Guilherme, Gabriel e de outros jovens que mostram a inclusão na prática:
Desde pequeno, Guilherme sempre gostou de ficar de olho nas receitas do pai e da avó. Por isso, quando uma equipe da Faculdade Anhembi Morumbi esteve na escola onde ele estudava para falar sobre vestibular, ele não pensou duas vezes. Resolveu se inscrever para tentar uma vaga em Gastronomia. Os pais só ficaram sabendo quando chegou um e-mail confirmando o dia e local da prova. “Isso mostra que ele sempre teve muita autonomia”, diz Deise, mãe de Guilherme. Os dois anos que passou entre as panelas, com aulas de enologia, microbiologia, confeitaria, entre outras, deram resultado. Além de aprender a fazer um ossobuco de dar água na boca e virar mestre dos risotos, Guilherme, que entre outras características, tem síndrome de Down, hoje trabalha com o que ama no restaurante italiano Antonietta Cucina Higienópolis. Ele é responsável por fazer diariamente 15 refeições, que são servidas aos funcionários. Antes disso, ele passou pelo salão do Jacarandá, como garçom. Hoje, sonha em abrir seu próprio negócio, um restaurante onde possa servir “um pouco de tudo”.
Guilherme não tem dúvidas de que vai chegar lá e dá a receita para seu sucesso. “Tive dificuldade na faculdade, sofri um pouco de discriminação, mas os chefs sempre me ajudaram, me botavam nos grupos. Mas levo numa boa porque sei que não há nenhum problema em ser diferente. “ A pessoa com síndrome de Down tem que ser tratada como qualquer outra pessoa. Percebi que nada é proibido, é só levar a vida com tranquilidade”, ensina o profissional, que também é voluntário do Instituto Serendipidade.“
Gabriel Facchini, fotógrafo
Por causa da pandemia, Gabriel está afastado de seu trabalho, mas não vê a hora de voltar a registrar os eventos e o dia a dia da Prefeitura de São Paulo, onde integra o time de cinco fotógrafos da Secretaria de Comunicação. Até chegar ao posto, foi difícil. Na faculdade, conta, não houve nenhum tipo de inclusão ou adaptação. “Precisei estudar muito para passar, foi com muita dificuldade, nos acréscimos do segundo tempo”. Depois de formado, ele diz que tudo melhorou. Hoje diz não sofrer nenhum preconceito. “Gosto de conversar muito, no trabalho a gente aprende uns com os outros. Acho que ajudou o fato de eu ter estudado em uma escola regular. Fiz amizades com quem tem síndrome de Down e com quem não tem”, conta.
Gabriel costuma fotografar eventos internos da Prefeitura. Um desafio, conta, porque a luz nunca é boa. Às vezes, antes da Covid-19, ele registrava também eventos da agenda do ex-prefeito Bruno Covas, que faleceu este ano. “Ainda não conheci o atual prefeito. Vou tomar a segunda dose da vacina em agosto e depois de uns 20 dias vou ver se já posso voltar. Quero retornar logo, não gosto muito de ficar em casa”, diz o jovem de 23 anos.
Gabriel conta que toda essa autonomia não chegou de repente. Os pais dele sempre o incentivaram. ‘Quando comecei a estagiar no Centro de São Paulo, eles me levaram algumas vezes de metrô para eu aprender. Pai e mãe têm que ser persistentes. Alguns até falam que a gente precisa de autonomia não por causa deles, mas para a vida. Eu já me liguei nisso”, diz Gabriel, que costuma, quando preciso, ajudar nas despesas de casa.
Laissa Guerreira, estudante, dançarina e militante
Ela tem 15 anos e disposição de sobra. Laissa Pollyana, conhecida como Laissa Guerreira não permite que sua deficiência — ela tem Atrofia Muscular Espinhal — a impeça de realizar seus sonhos. A menina, que está no primeiro ano do Ensino Médio, é bailarina, roqueira, jogadora paralímpica de bocha e, de quebra, ativista. Ficou conhecida quando falou no Senado, em 2019, reivindicando que o SUS fornecesse o medicamento Spinraza a todos que precisam. Cada dose do remédio custa cerca de R$ 200 mil, o que impede o tratamento da grande maioria. “Depois que passei a usá-lo, já consigo ficar em pé e andar com a ajuda de aparelhos. Antes, eu não tinha nem forças nos braços”, conta Laissa.
Até conseguir chegar onde está hoje, feliz e rodopiando na cadeira de rodas, durante as aulas de dança, não foi fácil. Como a atrofia é progressiva, Laissa, antes de ter acesso ao medicamento, teve muita dificuldade não só para se locomover, mas também para se alimentar e até mesmo respirar. Na escola, os percalços foram grandes. Foi vítima de bullying constante de uma colega de classe. Trocou de colégio e hoje diz que finalmente conhece o que é inclusão. “Agora não me calo mais. Coloco minha cara a tapa e vou. Hoje levo a sério se faltarem o respeito comigo”.
Laissa ensina que o importante é estar com o astral lá em cima. “A vida é bela, não tem porque ficar triste. Minha mãe me ensinou que a cadeira de rodas é minha asa, pode me levar a qualquer lugar”. No futuro, o lugar vai ser a Faculdade de Direito. Ela quer virar juíza. Enquanto isso não acontece, aproveita a vida como qualquer adolescente. “Gosto de rock, faço balé clássico, dança contemporânea e sou atleta paralímpica de bocha, primeiro lugar na minha categoria”.
Katarina Martins de Carvalho, estudante de Direito
Aos 22 anos e prestes a se formar em Direito, Katarina Martins de Carvalho enxerga o mundo “meio borrado, sem definição, com cores mais fortes”. Ela tem o que se define como “cegueira legal”, consequência de um tumor que está instalado entre o cérebro e o nervo óptico, e que é inoperável. Habituada a conviver com a perda progressiva da visão, ela precisou abdicar da sua vocação — ser policial. Como alternativa, buscou o Direito. “Vou poder trabalhar de forma independente, acredito que será mais fácil”, diz ela, que acaba de entregar o Trabalho de Conclusão de Curso na faculdade em Tatuapé. Também já prestou a primeira prova da OAB. São duas conquistas grandes, mas a primeira, conta, foi ter conseguido morar sozinha.
Ela se mantém com o salário de estagiária na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo, mas lembra que buscar a independência sempre foi seu maior desejo. Aos 15 anos, assim que terminou as sessões de quimioterapia, que fez dos 6 aos 14 anos, conseguiu um emprego, escondido da mãe. Virou animadora de uma loja de roupas infantis. “Me fantasiava de Galinha Pintadinha e de Peppa Pig. Foi bem divertido”. Depois, não foi fácil. Cansada de escutar “nãos”em entrevistas de emprego, ela resolve esconder sua deficiência ao se candidatar a uma vaga. Ao chegar à prova, disseram que ela não poderia participar ou ter a mãe como ledora. Katarina insistiu e acabou sendo aprovada para trabalhar um ano no Tribunal de Justiça. “Foi uma luta mostrar que uma pessoa com deficiência pode fazer tudo, mas consegui”.
Fonte: https://revistareacao.com.br/conheca-historias-que-mostram-a-inclusao-na-pratica/
Postado por Antônio Brito
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