23/03/2021

Ser mãe de autista: um desafio superado de um jeito criativo

Com pouco mais de 100 mil habitantes, o município de Araxá, em Minas Gerais, reserva aos visitantes encantos naturais, históricos e gastronômicos típicos da região Sudeste. E é de lá também que vem a surpreendente história que vamos te contar. A enfermeira Eloá Alves precisou encarar situações complicadas após seu filho, Paulo Antônio, ser diagnosticado com Autismo. Mas algumas circunstâncias curiosas a fizeram vencer esse desafio de ser mãe de autista de uma maneira criativa. E que acabou dando tão certo que a iniciativa vem se espalhando pelo Brasil.

Ser mãe de autista: como tudo começou

Atualmente, Paulo Antônio tem sete anos, mas o diagnóstico fechado de autismo veio quando o menino tinha três anos, depois de várias análises médicas que começaram no oitavo mês de vida. Isso ocorreu após suspeitas de Eloá, que, além de enfermeira, é especializada em psiquiatria e neuropsicofarmacologia (que estuda remédios atuantes na influência do comportamento). Somado a isso, o marido de Eloá é médico, especializado em saúde da família. A experiência da família no ramo da saúde logo fez chamar atenção para o caso de Paulo Antônio, que não vinha demonstrando os mesmos padrões de uma criança neurotípica – que é um dos primeiros sinais de que a criança é autista.¹

Apesar de seu trabalho já envolver questões comportamentais e doenças neurológicas, a experiência de Eloá se limitava a transtornos como esquizofrenia e bipolaridade. E ela ainda não tinha tido a experiência de lidar com uma criança Autista. Quis o destino que esse momento acontecesse dentro da própria casa. Foi a partir da chegada de Paulo Antônio que Eloá sentiu que então, sua vida ganhava um novo protagonista.

Foto do Arquivo Pessoal

Mães de autistas: compartilhando experiências

Eloá conta que, no começo, não recebeu o apoio e o acolhimento que esperava. “Por sermos da área da saúde, todos diziam que eu saberia cuidar muito bem dele”. Diz.

Certamente a experiência dos pais fez a diferença, mas nada pôde preparar Eloá pro que viria acontecer entre os anos de 2017 e 2018, quando Paulo Antônio teve as primeiras grandes crises decorrentes do autismo.

Se sentindo solitária quanto às questões do filho, foi nessa fase que Eloá descobriu e procurou o Grupo de Apoio a Pais de Autistas de Araxá (que começou, na verdade, como um pequeno grupo dentro da FADA – Associação de Assistência à Pessoa com Deficiência de Araxá). Hoje, com o nome de A & +, o grupo virou de vez uma Associação, já independente, não dispensa o apoio dos profissionais da área, mas é organizada e dirigida principalmente por mães de autistas.

“A gente recebe o diploma, mas não o diploma de mãe. Ainda mais o de mãe de autista”, comenta Eloá, emocionada ao lembrar dessa época. Eloá se sentiu agraciada pelo carinho que recebeu da A & +, que entendeu que, apesar de ela ter experiência na área da saúde, ela estava ali como mãe, antes de qualquer coisa. Assim começou a trajetória de mãe de autista ativista de Eloá – que viria a ajudar muitas mães e pais que também lutavam para cuidar dos filhos com o Transtorno do Espectro Autista.

Foto do Arquivo Pessoal

Acolhendo outras famílias

Às portas do Dia de Conscientização do Autismo, que acontece no dia 2 de abril, Eloá conta um pouco das atividades que a Associação vem desenvolvendo.

Além do papel de mãe de profissional da entidade, Eloá é uma das “acolhedoras” de mãe de autista, como assim são chamadas as pessoas que participam ativamente das atividades, principalmente acolhendo – literalmente – novas famílias que procura a Associação.

Num escritório modesto, Eloá faz acolhimentos individuais, onde os pais relatam as dificuldades mais íntimas que eles passam com seus filhos. São problemas que vão desde os impactos de receber o diagnóstico até problemas conjugais pelos quais passam os casais que precisam lidar com as dificuldades – ora leves, ora moderadas, ora severas – dos filhos. E tudo isso ocorre de forma bastante profissional: tratado no sigilo e resumido em um prontuário de cada família.

Outro formato é o acolhimento feito em grupo uma vez por mês, num salão paroquial gentilmente cedido à Associação, onde as mães desabafam suas histórias e ainda recebem orientações de profissionais convidados – no começo de 2020, por exemplo, o grupo recebeu uma pedagoga que ensinou aos pais como suavizar as ansiedades do começo de um ano letivo.

Clique aqui para conhecer o Instagram do associação A & +.Foto do Arquivo Pessoal

Uma ideia simples e eficaz

Por falar em ano letivo, numa das crises de seu filho na escola, Eloá precisou tomar uma iniciativa para evitar os olhares preconceituosos.

“Todos acharam que meu filho estava de birra e eu era uma mãe incapaz de controlar o meu filho”, conta Eloá, lembrando que no dia precisou “arrastar” o filho por dois quarteirões, enquanto o menino lutava com a mãe, após uma longa tentativa de tirá-lo do ambiente da escola, que no horário estava com todos os portões trancados. No fim, ambos saíram fisicamente machucados daquela situação. “Os outros pais olhavam estranho, tentavam afastar seus filhos de perto”, relata Eloá.

A “luta” terminou quando Eloá e Paulo Antônio chegaram ao carro, já com bastante dificuldade até de destrancar as portas. Foi assim que Eloá chegou à conclusão de que precisava sinalizar seu carro para que os outros motoristas e pedestres soubessem que aquela mãe poderia passar por situações difíceis. Além disso, Eloá remeteu à Lei Berenice Piana, que, entre outras coisas, garante direito a vagas especiais para carros de famílias com pessoas autistas. A Lei Berenice Piana é uma lei que faz alcançar à pessoa autista os mesmos direitos previstos na Lei de Proteção à Pessoa com Deficiência.

Depois disso, Eloá procurou opções na internet e encontrou um modelo de adesivo que ela imprimiu por conta própria e passou a circular portando esse aviso em seu carro.

Foto do Arquivo Pessoal

Do carro à porta de casa

Mas os problemas não pararam por aí.

Em meio às constantes crises que aconteceram na época com Paulo Antônio, Eloá também passava por momentos difíceis dentro de casa. “Por causa dos gritos, a vizinha vinha ver o que estava acontecendo, no que eu expliquei que o Paulo é um garoto autista e acontecia de ele gritar e fazer muito barulho”. A mãe do menino precisou explicar, também, que as coisas não eram como pareciam de fora. Às vezes, Eloá estava apenas escovando os dentes do filho ou cortando as unhas. Mas, naqueles momentos o menino gritava tanto que parecia que Eloá estava batendo na criança.

Do carro, a ideia do adesivo também foi parar na porta de seu apartamento.

Depois de um colega de trabalho ter visto e elogiado o adesivo no carro de Eloá, ela imprimiu uma quantidade maior e levou para distribuir na Associação, onde descobriu, novamente, que não estava sozinha e muitos outros passavam por momentos semelhantes.

Logicamente, o adesivo foi um sucesso. Hoje, no município de Araxá, muitos carros e motos já são vistos circulando com o adesivo.

Eloá conta que o adesivo foi de grande utilidade para ela e para outras mães: “Depois que passei a utilizar o adesivo, algumas pessoas vieram até pedir desculpas pela forma como agiram quando não sabiam do autismo do meu filho”.

Medidas Simples, mas necessárias

Imprimir, distribuir e colar um adesivo podem parecer medidas simplórias, mas as informações contidas podem fazer diferença na hora dos pais e familiares de uma criança autista solucionarem uma crise.

A questão da distância entre o carro dessa família e um outro veículo, por exemplo, é crucial. Numa situação de crise em que pais e criança precisam se locomover, é extremamente necessário que a distância de, pelo menos, 1,5 metro seja respeitada.

Já imaginou essa família precisar e ter a infelicidade de ter o carro trancado por outro?

Além disso medidas comportamentais precisam ser encaradas com respeito e certa naturalidade por vizinhos e outras pessoas próximas, que também podem cumprir seu papel de não desenvolver hábitos que atrapalhem o sossego das pessoas com Transtorno do Espectro Autista – em geral, muito mais sensíveis que as demais pessoas.

Foto do Arquivo Pessoal

Ser mãe de autista: muito além do adesivo

Mas não é só no dia-a-dia ou em momentos de crise que a sinalização do carro se faz importante. Na hora de fazer um passeio ou mesmo uma viagem de férias, algumas dicas são essenciais para minimizar o impacto da mudança na rotina para essas crianças.

Abaixo, Eloá lista uma série de cuidados que você pode ter para tornar a viagem em família tranquila e relaxante:

  • Antecipe os roteiro da viagem, mas não tanto a ponto de deixar a criança ansiosa
  • Ajude a criança a escolher um brinquedo ou algum objeto que a deixe mais tranquila
  • Procure um horário mais tranquilo para sair de casa, evitando momentos com pico de calor
  • Se a criança já tiver idade de entender, explique tudo que vai acontecer na viagem, pois são as incertezas que as deixam ansiosas
  • Mantenha ou seu corpo com algum sinal de estar viajando com uma criança especial
  • Mantenha um ambiente calmo durante a viagem e passe constante segurança à criança

A história da Eloá e do Paulo Antônio mostram como todas as dificuldades da vida um autista – também da mãe e do pai – podem ser contornáveis, pela medicina, com medidas criativas, com o apoio de outras pessoas e, principalmente, com muito amor. E a única coisa que é inaceitável é o preconceito.

Se você também tem um autista na família, conheça nosso superguia de atividades para fazer em casa. Esse pode ser um momento gostoso de interação e diversão com o seu filho!

Você também tem algo especial pra contar? Entre em contato com a gente e conte a sua história! Ela pode aparecer aqui no Autismo em Dia.

Fonte  https://www.autismoemdia.com.br/blog/ser-mae-de-autista-um-desafio-superado-de-um-jeito-criativo/

Postado por Antônio Brito 

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