A discussão em torno do preconceito nunca esteve tão à flor da pele em nosso país e no mundo. Seja a discriminação racial, sexual ou referente à classe econômica do indivíduo em questão, o combate ao preconceito deve ser feito em todas as esferas da sociedade, e claro que a corporativa não poderia ficar de fora. Quando o tema é mais especificamente o preconceito racial e as formas de combatê-lo nos ambientes de convivência social, poucas histórias são tão potentes quanto a deste Homens de Honra (Men of Honor, EUA, 2000), filme que além de expôr as mazelas do preconceito, ainda funciona como um tremendo exemplo em torno da superação de nossos próprios limites.
O filme conta a história verídica de Carl Brashear (Cuba Gooding Jr., de Jerry Maguire: A Grande Virada, outro filme que já abordei aqui na coluna de cinema do Portal Administradores). Negro, filho de uma família humilde que trabalha na lavoura e sem um diploma do ensino médio, ele se alista na Marinha Americana logo após a Segunda Guerra Mundial. O presidente Harry Truman havia integrado os negros no alistamento, mas a Marinha não. Ou seja, os negros que chegavam após se alistarem recebiam duas escolhas; Poderiam ser cozinheiros ou ajudantes dos oficiais. Brashear queria ser um mergulhador, e Homens de Honra conta a história de como ele se tornou um apesar de tudo o que sofreu, primeiro com o preconceito relacionado à sua cor, e depois com um terrível acidente que amputou a parte inferior de uma de suas pernas, à princípio impedindo-o de continuar na função.
O filme é uma biografia à moda antiga, e eu digo isso como um elogio. Não há nada de cenas de ação inventadas para tornar a história retratada menos real e de maior apelo ao público. Homens de Honra preocupa-se em seguir a curva da vida de Brashear especialmente quando ela se cruza com a de outro homem, o Marinheiro-Chefe Billy Sunday (o grande Robert De Niro), um redneck que à princípio nutre somente ódio por Carl, mas que aos poucos vai mudando de ideia sobre o homem.
A cena mais impressionante e empolgante do filme é o inverso do heroísmo mostrado em tantos outros filmes envolvendo temática militar. Não é sobre ação ou explosões, mas sobre garra e tenacidade, e grande parte desta cena acontece em nossa própria imaginação. Para conseguir se formar na escola de mergulho, os candidatos fazem um teste onde eles devem montar uma bomba de sucção formada por inúmeras peças, enquanto trabalham praticamente no escuro, debaixo d'água. O teste de Brashear foi sabotado de forma que seria praticamente impossível para ele passar. A água está tão fria que muito tempo de submersão pode ser fatal para o mergulhador em questão. E hora após hora, Brashear permanece lá embaixo, tentando completar a tarefa.
O personagem de De Niro é estritamente contra a ideia de negros ingressando na Marinha, mas antes de qualquer coisa, seu Billy Sunday é um marinheiro, e quando você ama muito uma coisa, você passa a respeitar aqueles que fazem a mesma coisa de maneira competente. Nem preciso mencionar que é assim também na vida corporativa. Ser um bom profissional envolve antes de qualquer coisa o amor pela profissão, que evolui para outras qualidades que na maioria das vezes, nem fazemos ideia de que as possuímos.
Apesar da oposição de Sunday, o principal oponente de Brashear consiste na figura de "Mister Pappy" (o falecido Hal Holbrook), o Oficial Comandante do grupo, cujo racismo exala de cada um de seus poros. "Talvez chegue o dia em que um mergulhador negro se forme nesta escola," ele profere, "mas não enquanto eu estiver aqui."
Cuba Gooding Jr. é (ou pelo menos costumava ser nesta época) o tipo de ator que demonstra grande energia em cena. Este tipo de energia não seria apropriada aqui, e ele sabiamente abaixa um pouco o tom e entrega uma performance forte e convincente. O segredo do sucesso de seu personagem não é complicado de se entender: Ele simplesmente não desiste e não vai embora, e eventualmente sua presença passa a envergonhar os homens da Marinha que não conseguem negar suas habilidades. O racismo que permeava a sociedade nos anos 40 é elemento presente em toda a narrativa do filme. Mas não se iluda; este mesmo racismo ainda reflete suas engrenagens corruptas na sociedade e no mercado de trabalho do mundo atual. Se Carl Brashear fosse um de nossos cidadãos contemporâneos, imagino que ele também encontraria a barreira do racismo interferindo em seus objetivos.
Brashear enfrentou as teias do racismo mesmo depois de se tornar o primeiro mergulhador negro da Marinha Americana. Anos depois de sua formação, um acidente leva uma de suas pernas logo abaixo do joelho. Brashear, tenaz como sempre, se recupera de maneira sensacional, desta vez contando com a improvável ajuda de Billy Sunday. A sequência final do filme, em que Brashear precisa provar aos oficiais da Marinha que é capaz de exercer a função mesmo depois do acidente tornou-se emblemática. Interpretada de maneira sublime por Gooding Jr. e De Niro, a sequência empolga e emociona, e resume toda a luta de um admirável ser humano contra todas as barreiras que lhe foram impostas pelas circunstâncias de sua vida.
Homens de Honra é o segundo filme do diretor George Tillman Jr., que depois de um longo hiato, retornou recentemente com o bom drama The Hate U Give (2018), onde volta a discutir as questões raciais nos Estados Unidos. Seu Homens de Honra está longe de ser um filme perfeito, mas sua história forte, performances sólidas e simplicidade falam ao coração do espectador, pois a força central da produção ressalta a importância do caráter humano frente às adversidades. Nós como indivíduos temos a tendência de glorificar heróis do esporte e outras vertentes menos nobres, mas e quanto a homens como Brashear, que queriam apenas servir o seu país e não aceitam um "não" como resposta? Quando chegará a vez dos verdadeiros heróis de nossa sociedade decadente ganhar seus devidos lugares e serem respeitados como os verdadeiros heróis que são? O racismo e a discriminação por qualquer outro aspecto humano existem, mas não é através de sistemas de cotas, do vitimismo e de manifestações medíocres e apelativas que isso um dia vai mudar. É através do caráter e do trabalho.
Fonte https://administradores.com.br/artigos/homens-de-honra-vencendo-o-preconceito-e-os-pr%C3%B3prios-limites
Postado por Antônio Brito
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