O Atlas da Violência 2021 foi publicado nos últimos dias. A publicação é de responsabilidade do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Fundação pública vinculada ao Ministério da Economia. O Instituto fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais — possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros — e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.
Os dados publicados pelo Atlas da Violência 2021 foram gerados em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) no âmbito do Programa Executivo de Cooperação entre a CEPAL e o IPEA em “Políticas Públicas para o Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Brasil e da América Latina orientadas pela Agenda 2030 das Nações Unidas e pelas propostas dos desafios para a Nação Brasileira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada”.
De acordo com o órgão “neste Atlas da Violência 2021, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) contaram com a parceria do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). Como realizado nas últimas edições, buscou-se retratar a violência no Brasil principalmente a partir dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Na análise dos dados do SIM, verificou-se um importante aumento das mortes violentas por causa indeterminada no ano de 2019, que traz, entre outros pontos que serão tratados, implicações para a comparabilidade entre os anos do período analisado. As análises dos dados de violência do Sinan, realizadas nas seções de violência contra a população LGBTQI+ e de violência contra pessoas com deficiência, foram centradas nos registros de violências cometidas por terceiros, excluindo-se assim os casos de agressão auto infligida, ou seja, em que a vítima também foi registrada como uma das autoras da violência. Como se verá a seguir, há duas novas seções neste ano, tratando da violência que atinge duas populações específicas: pessoas com deficiências e pessoas indígenas. Ao introduzir esses novos temas, considerou-se oportuno iniciar as seções com elementos relevantes para a compreensão da violência sofrida por esses grupos. No primeiro caso, foi inicialmente recuperada a própria evolução do conceito de deficiência, pois isso impacta a identificação e a mensuração da população com deficiência. No segundo, é brevemente apresentada a questão da identidade das pessoas de povos indígenas e se indica que a violência física não dá conta de toda violência étnico-racial e simbólica sofrida por essa população desde o nascimento do Brasil”.
O Atlas destaca números sobre a VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA:
- A evolução do conceito de deficiência e os limites das estatísticas
- As pessoas com deficiência e a violência
- Taxas de notificações de violências contra pessoas com deficiência
- Análise exploratória das notificações de violências contra pessoas com deficiência: contexto/autoria e natureza da violência
Confira um resumo da publicação em relação a violência contra a pessoa com deficiência.
VIOLÊNCIA CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
A violência contra pessoas com deficiência é um tema ainda pouco estudado no Brasil. Não obstante, estudos indicam haver uma forte correlação entre violência e deficiência, seja pela contribuição da violência para a ocorrência de deficiência, seja pelo fato de pessoas com deficiência estarem mais expostas a sofrer violência (BRASIL, 2020b).
Nesta edição do Atlas da Violência há um esforço adicional para tratar desse campo, ainda que reconhecendo as mudanças recentes no conceito de deficiência e os limites das estatísticas sobre o tema no Brasil. Assim, são apresentadas, nesta seção, as taxas de notificações de violências e os resultados de análise exploratória dos dados da saúde (Viva-Sinan) sobre as notificações de violência contra pessoas com deficiência, para o ano de 2019.
A evolução do conceito de deficiência e os limites das estatísticas
Segundo a “Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência” (CIDPD; Decreto Nº 6.949/09): pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (Art. 1º). A convenção também indica que deficiência é um conceito em evolução, apontando a mudança de uma definição ‘médica’, baseada em um diagnóstico sobretudo corporal, para uma definição ‘biopsicossocial’.
A mudança afeta a forma de identificação e mensuração da população com deficiência. Até 2001, a Organização Mundial da Saúde (OMS) adotava a Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID) (Ministerio de Asuntos Sociales, 1994) de 1980, baseada em um conceito de deficiência que se refere às “anormalidades de estrutura corporal e de aparência, e de função de um órgão ou sistema, qualquer que seja a sua causa”, definindo as deficiências como transtornos a nível de órgão. Porém, a partir de 2001, a OMS passou a adotar o manual “Classificação Internacional de Funcionalidades” (CIF) (WHO, 2013), baseado na abordagem biopsicossocial, no qual o diagnóstico da deficiência integra três dimensões, a saber: a biomédica, a psicológica e a social (Farias; Buchalla, 2005). Em termos práticos, enquanto na dimensão médica as deficiências são definidas a partir de parâmetros físico-corporais, no conceito biopsicossocial, a definição parte das ‘funcionalidades’ acessadas por meio das atividades que as pessoas podem ou não realizar, como por exemplo “não conseguir enxergar, mesmo usando óculos”, ou “ter dificuldade em se comunicar na sua língua mãe, compreender ou ser compreendido pelos outros”32. Neste Atlas, busca-se dimensionar a violência contra pessoas com deficiência, sendo importante verificar tanto os números absolutos quanto as taxas por habitantes, que permitem a comparação entre os diferentes grupos. Por isso, serão utilizadas duas bases de dados que, apesar de fundamentadas fortemente na dimensão médica, incorporam nos seus instrumentos elementos com características biopsicossociais, principalmente quanto à identificação da deficiência intelectual.
A primeira base de dados provém do Sinan, que incorpora o esforço do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), do Ministério da Saúde, em identificar os casos relativos às violências interpessoais e autoprovocadas atendidos nos serviços de saúde públicos e privados, a partir da notificação compulsória de violência pelos profissionais de saúde. Ressalva-se que, como o foco do Atlas da Violência tem sido sobre violências interpessoais, não foram consideradas as violências autoprovocadas no presente estudo, não constando no conceito aqui utilizado de violência contra pessoas com deficiência e nem nos dados que serão apresentados aqui.
Acrescenta-se que, no Viva-Sinan, para que a pessoa seja considerada deficiente é preciso que haja informação (sendo desnecessária a comprovação documental) sobre diagnóstico clínico emitido por profissional de saúde habilitado, não sendo aceito registrar suposições ou hipóteses pessoais ou de familiares, o que reforça a dimensão biomédica da identificação. Esses dados representam apenas uma parte das ocorrências de violência: aquela que é efetivamente notificada. Cabe indicar que a notificação depende de a vítima procurar ou ser levada à unidade de saúde, e de a violência ser identificada e registrada pelos profissionais de saúde. Quando da procura pela vítima, nota-se que vítimas com deficiência podem apresentar maior dificuldade para a percepção e compreensão das situações de abuso (BRASIL, 2020b). A identificação e o registro nas unidades de saúde, por sua vez, estão relacionados ao grau de organização local da vigilância em saúde, incluindo a integração das redes de saúde, educação, segurança pública e assistência social. Importante também indicar que a base é constituída por notificações e não por vítimas, ou seja, pode ocorrer em um ano mais de uma notificação para a mesma vítima. O Viva-Sinan tem expandido sua cobertura nos últimos anos, passando de 38% dos municípios do país com registros no sistema em 2011, para 79,2%, em 2019.
No caso das notificações de violências interpessoais contra pessoas com deficiência, os registros passaram de 3,0 mil para 7,6 mil casos no mesmo período. Ainda assim, uma parte das UFs, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, apresenta níveis elevados de subnotificação (BRASIL, 2020a). Em vista disso, neste trabalho esses dados não foram utilizados para avaliar a evolução das notificações de violências ao longo do tempo, nem tampouco para comparações inter-regionais ou estaduais. A segunda base de dados utilizada é a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, realizada pelo IBGE, que buscou produzir dados sobre a situação de saúde da população brasileira, inclusive das pessoas com deficiência, a partir da declaração dos entrevistados. Dessa forma, há uma importante diferença entre as duas bases: enquanto na primeira, a deficiência é declarada pelo profissional da saúde, na segunda, a deficiência é declarada pelo entrevistado (pessoa com deficiência ou familiar/responsável).
As pessoas com deficiência e a violência
Utilizando estas definições, a PNS estimou a população com deficiência no Brasil, em 2013. Para aquele ano, 6,2% da população possuía ao menos um dos quatro tipos de deficiência já mencionados (IBGE, 2015). Em números absolutos, eram 7,2 milhões de pessoas com deficiência visual (3,6% da população brasileira), 2,2 milhões com deficiência auditiva (1,1%), 2,6 milhões com deficiência física (1,3%) e 1,5 milhão de pessoas com deficiência intelectual inata ou adquirida ao longo da vida (0,8%, sendo que 1 milhão, ou 0,5%, já nasceu com essa deficiência). Em 2019, foram registrados 7.613 casos de violências contra pessoas com deficiência no sistema Viva-Sinan. Tais números consideram as pessoas que apresentavam pelo menos um dos quatro tipos de deficiência – física, intelectual, visual, auditiva –, de acordo com parâmetros médicos.
Taxas de notificações de violências contra pessoas com deficiência
Neste trabalho utilizou-se as duas fontes de dados mencionadas para a construção de uma “taxa de notificações de violências contra pessoas com deficiência” em relação à população do Brasil. Para isso, utilizou-se as proporções da população com deficiência estimadas pela PNS em 2013, para projetar a população com deficiência em 201939. Calculou-se, então, a taxa de notificações de violências, como o número de notificações no Viva-Sinan para cada 10 mil pessoas com deficiência, por tipo de deficiência e sexo. No caso de deficiência intelectual, há uma limitação nas fontes para o cálculo da taxa e o resultado deve ser visto com cuidado. Isto porque as notificações do Sinan, conforme as instruções do Viva, podem incluir pessoas com deficiência adquirida até os 18 anos, enquanto a população na PNS é de pessoas que nasceram com deficiência intelectual. Apesar disso, considerou-se importante manter o cálculo da taxa, de forma a ser uma referência das notificações de violências contra essas pessoas.
O indicador construído mostra taxas muito elevadas de notificações de violências contra pessoas com deficiência intelectual (36,2 notificações para cada 10 mil pessoas com deficiência intelectual), sobretudo mulheres, quando comparadas à população com outros tipos de deficiência. Essa sobretaxa está associada em alguma medida às notificações de casos de violência sexual. Cabe ainda notar que a maior taxa para violências contra pessoas com deficiência intelectual ocorre apesar de o registro do Sinan captar as deficiências intelectuais manifestadas até os 18 anos, um conceito mais abrangente que o dado da PNS, que só considera as pessoas que nasceram com a deficiência (Deficiência Intelectual 1). Por fim, para as demais pessoas com deficiência, os patamares são bem inferiores: foram 11,4 notificações de violências para cada 10 mil pessoas com deficiência física em 2019, caindo para 3,6 para pessoas com deficiência auditiva e 1,4 no caso de pessoas com deficiência visual. Por fim, de forma geral, as taxas de notificações de violências contra mulheres são mais de duas vezes superiores às de homens, exceto quando a vítima é pessoa com deficiência visual, quando a superioridade é inferior a 25%.
Análise exploratória das notificações de violências contra pessoas com deficiência: Contexto/autoria e natureza da violência
Feita esta apresentação das taxas de notificações, passa-se à análise exploratória dos casos de violências contra pessoas com deficiência. Tal análise será feita através da comparação de grupos de notificações por ‘contexto/ autoria’ e pela ‘natureza da violência’ perpetrada. Dentro destes grandes grupos, serão analisadas algumas características das vítimas, como tipo de deficiência, sexo e faixa etária. Os grupos de ‘contexto/autoria’ foram construídos a partir da própria classificação do instrutivo do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016), que segue as definições da OMS para três grandes grupos de violência: violência autoprovocada ou auto infligida, violência interpessoal (doméstica e comunitária), e violência coletiva. A operacionalização dessa classificação depende do autor presumido da violência. No presente estudo, foram elaborados cinco grupos, por analogia, a partir dos autores presumidos identificados no Sinan.
A violência doméstica é a principal situação envolvendo violência interpessoal contra pessoas com deficiência, atingindo sobretudo as mulheres. Os dados de 2019 para os grupos de ‘contexto/autoria’ indicam, em termos gerais, que a violência doméstica representava mais de 58% das notificações de violência contra pessoas com deficiência, seguida por violência comunitária (24%). Em termos de sexo, a violência doméstica é ainda maior para as mulheres (61%), enquanto para os homens a violência comunitária é um pouco maior (26%)43. Analisando os grupos de ‘contexto/autoria’ a partir do tipo de deficiência, nota-se que a violência doméstica representa ao menos metade dos casos: 70% dos casos de pessoas com mais de uma deficiência, 65% dos registros para pessoas com deficiência física, 59% das notificações de pessoas com deficiência visual, 56% dos casos de violência contra pessoas com deficiência auditiva e 50% dos casos contra as pessoas com deficiência intelectual. Cabe notar que a notificação de violência doméstica é alta, mesmo considerando os obstáculos à notificação relacionados à natureza privada do local de ocorrência, à dinâmica do poder familiar ou tutelar e às relações de afeto entre vítima e agressor. Em termos de políticas públicas, isso é um alerta também para as equipes da Estratégia Saúde da Família, para os Conselhos Tutelares e para as escolas. Quanto às famílias, que têm um grande papel no cuidado e nas notificações desses casos de violência, esses dados de violências são um alerta para as ocorrências de casos de agressão ou negligência.
Acompanhe a publicação em sua íntegra, inclusive com tabelas e números em percentuais envolvendo as pessoas com deficiência.
Fonte. https://revistareacao.com.br/atlas-2021-destaca-numeros-sobre-a-violencia-contra-pessoas-com-deficiencia/
Postado por Antônio Brito
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