09/12/2020

As Pessoas com Deficiência devem se enquadrar ao sistema geral de ensino ou o sistema regular de ensino deve se enquadrar à diversidade, promovendo a inclusão?

Foto: MEC/Fabiana Carvalho
  • Por Hegle Machado Zalewska

É importante mencionarmos brevemente o histórico das principais normas protetivas da Pessoa com Deficiência para termos condições de avaliar, fazer críticas e propor Políticas Públicas efetivas no que diz respeito à educação da Pessoa com Deficiência.

Histórico Internacional – Princípios para a Legislação Brasileira

Em 1994 a Unesco realizou a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade; e na Espanha foi elaborada a Declaração de Salamanca, resolução das Nações Unidas sobre Princípios, Políticas e Práticas na área das Necessidades Educativas Especiais (o compromisso Educação para Todos). Em 1999, na Guatemala, aconteceu a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (texto convertido em Decreto Legislativo – 198/2001). Em 2007, na sede da Onu, em Nova York, houve a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (texto convertido em Decreto Legislativo – 6.949/2009), que foram base para a instituição da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI (Lei n° 13.146/2015). Em 2015, na Coréia do Sul, foi aprovada a Declaração de Incheon, durante o Fórum Mundial de Educação, onde se constituiu o Compromisso da Comunidade Educacional com a Educação 2030 (Decreto n° 9.980/2019 que atribuiu competência à Secretaria Especial de Articulação Social para realizar ações de internalização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU).

A determinação das campanhas públicas pela Convenção de Nova York ultrapassou a discussão da garantia da não discriminação. A destinação passou a ser, também, o cultivo da receptividade em relação aos direitos das Pessoas com Deficiência; o fomento de uma percepção positiva e maior consciência social; e a promoção do reconhecimento dos méritos, habilidades e capacidades das Pessoas com Deficiência. De fato, o intento da Lei Federal n° 13.146/2015 (LBI).

Esse cultivo de receptividade e verdadeira inclusão passa necessariamente pela educação, independente da fase da vida.

No que diz respeito à educação com consciência social, Eliana Cunha Lima (assessora de serviços de apoio à inclusão da Fundação Dorina Nowill para Cegos) ressalta que o processo de educação é individualizado, que todo aluno deve ser visto como pessoa com características próprias, que tem interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem únicas. Esclarece que “a inclusão deve ser para todo mundo não só para aluno incluído”.

Afirma, ainda, que a escola toda tem que ser inclusiva, não apenas dentro da sala de aula, já que os sistemas de ensino têm como responsabilidade a construção de espaços para a participação de toda a comunidade escolar (gestores, professores, funcionários, pais e alunos).

Avanços e Retrocessos do Ensino Inclusivo Brasileiro de 1961 até 2020 – uma questão de opinião

  • Em 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 4.024) – falava na educação dos “excepcionais”, para, quando possível, enquadrar-se no sistema geral de educação;
  • Em 1971, a segunda Lei de Diretrizes e Bases (Lei n° 5.692) manteve garantido os direitos da Pessoa com Deficiência à educação, mas de forma genérica “…deverão receber tratamento especial de acordo com as normas fixadas pelos competentes conselhos de educação”;
  • Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal, que em seu artigo 208 veio determinar que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado (AEE) às Pessoas com Deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
  • Em 1989, a Lei n° 7.853, dentre diversas determinações, obrigou a inserção de escolas especiais (privadas e públicas) no sistema educacional, bem como a educação especial em estabelecimentos públicos de ensino. Já nessa época determinou a matrícula compulsória para Pessoas com Deficiência em cursos regulares de escolas públicas e privadas, mas especificou que essa obrigação dizia respeito às pessoas capazes de se integrarem no sistema regular de ensino;
  • Em 1990, a Lei n° 8.069 (Estatuto da Criança e Adolescente) garantiu o AEE às Pessoas com Deficiência preferencialmente na rede regular de ensino;
  • Em 1994, a Política Nacional de Educação Especial propôs a chamada “Integração Institucional”, nada muito diferente da Lei n° 7.853 pois a inserção em classes regulares só se daria para crianças com condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas no mesmo ritmo que os alunos sem deficiência. No mesmo ano surgiu a Portaria do Ministério da Educação (MEC) n° 1793 recomendando a inclusão da disciplina “Aspectos Ético-Político-Educacionais da normalização e integração da Pessoa com Deficiência (à época utilizado o termo “pessoa portadora de necessidades especiais). Essa recomendação era direcionada prioritariamente aos cursos de pedagogia, psicologia, todas as licenciaturas, bem como nos cursos da área da saúde, serviço social e nos demais cursos superiores, de acordo com suas especificidades;
  • Em 1996, entrou em vigor a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Lei nº 9.394/199, determinando que “haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular para atender às peculiaridades da clientela de educação especial”. Impôs, ainda, que “o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a integração nas classes comuns do ensino regular”. Além disso, o texto trata de métodos, recursos e formação dos professores;
  • Em 1999, entrou em vigor o Decreto n° 3298 que veio para regulamentar a Lei nº 7853/1989, determinando, entre outras coisas que a educação do aluno com deficiência deveria se iniciar a partir do zero ano;
  • Em 2001, a Lei n° 10.172 (Plano Nacional de Educação) determinou que a educação especial deveria ser promovida e que a garantia de vagas no ensino regular era uma medida importante. Também em 2001, surgiu a Resolução n° 2 do Conselho Nacional de Educação colocando como possibilidade a substituição do ensino regular pela escola especial. O mesmo Conselho, em 2002, (Resolução n° 01/2002) afirmou que, a formação dos professores deveria incluir conhecimentos sobre as especificidades dos alunos com necessidades especiais;
  • Em 2006, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos colocou entre as metas a inclusão de temas relacionados às Pessoas com Deficiência nos currículos das escolas;
  • Em 2007, após o país ter sido signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi promulgado o Decreto n° 6253 que definiu o atendimento educacional especializado como um conjunto de atividades, recursos pedagógicos e de acessibilidade prestados de forma complementar ao ensino regular. No mesmo ano o Decreto n° 6.094 (que implantou o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação) estabeleceu a garantia do acesso e permanência das Pessoas com Deficiência nas classes comuns do ensino regular;
  • Em 2008, o Decreto n° 6.571 acrescentou um dispositivo ao Decreto n° 6253/2007: o AEE poderia ser oferecido pelos sistemas públicos de ensino ou pelas instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial, conveniadas com o poder executivo competente. O Decreto n° 6.571/2008 criou a obrigação da União em prestar apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de ensino no oferecimento da acessibilidade, reforçando que o atendimento para Pessoas com Deficiência deveria ser integrado ao projeto pedagógico da escola;
  • Em 2009, a Resolução n° 4 do MEC orientou que o estabelecimento de AEE na educação básica prestasse atendimento preferencialmente nas salas de recursos multifuncionais das escolas regulares;
  • Em 2011, o Decreto n° 7.611 revogou o Decreto n° 6.571/2008; impediu a exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência determinando: que a oferta de educação especial se desse, preferencialmente, na rede regular de ensino; que seria assegurado apoio necessário e adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais; e que haveria apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial. Atualizou a definição de AEE (antes determinada no Decreto n° 6253/2007), que passou a ser “serão denominados atendimento educacional especializado, compreendido como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente, prestado das seguintes formas: I – complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos multifuncionais; ou II – suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação”; e afirma que o poder público estimulará o acesso ao AEE de forma complementar ou suplementar ao ensino regular, assegurando a dupla matrícula, sendo consideradas, para a educação especial, tanto as matrículas na rede regular de ensino como nas escolas especiais ou especializadas;
  • Em 2014, foi aprovado o novo Plano Nacional de Educação(Lei nº 13.005) que determina que o atendimento educacional especializado se dará, preferencialmente, na rede regular de ensino;
  • Em 2015, foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146) representando um grande avanço da inclusão da Pessoa com Deficiência, inclusive possuindo um capítulo dedicado à educação;
  • Em 2020, foi promulgado o Decreto n° 10.502 que instituiu a Política Nacional de Educação Especial (que merece discussão específica).

Estatísticas:

De acordo com os relatórios extraídos do site do MEC considerando o Plano Nacional de Educação (http://simec.mec.gov.br/pde/grafico_pne.php) – relatório Linha Base 2° Ciclo 2018  INEP – da meta 4 que se refere à inclusão (Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados), temos:

* no indicador 4 A – Percentual da população de 4 a 17 anos de idade com deficiência que frequenta a escola: da meta prevista de 100 %, a situação atual configura 85.8%;

* no indicador 4 B – Percentual da população de 4 a 17 anos de idade com deficiência que frequenta a escola: da meta prevista de 100 %, a situação atual configura 85.5%.

(fontes IBGE/censo populacional – 2010, censo demográfico – 2010 e censo da Educação Básica – 2015).

Efetividade das Políticas Públicas de Educação da Pessoa com Deficiência

O Decreto n° 10.502/2020 que instituiu a Política Nacional de Educação Especial tem sido objeto de controvérsias, inclusive ações judiciais questionando sua constitucionalidade por promover, em tese, a segregação de alunos com deficiência.

Um dos questionamentos é se o Poder Público, com aval do Decreto que flexibiliza a matrícula no sistema regular de ensino, estará de fato preparado a atender a escolha das famílias que desejam ver seus filhos matriculados no sistema regular, não apenas direcionando a uma escola especial para minimizar os custos de adequação para o recebimento do aluno com deficiência (sejam financeiros, sejam de efetivação de treinamentos de profissionais, de disponibilização de profissionais especializados, etc).

O interesse na efetividade da integração é unânime a quem defende os direitos e garantias da Pessoa com Deficiência. As divergências se dão no entendimento da melhor forma de aplicação dessas garantias, na interpretação das normas nacionais e internacionais (tanto na rede pública quanto rede privada), especialmente considerando o fato de que o Poder Público comumente descumpre suas obrigações legais com relação à educação, seja para pessoas com ou sem deficiência.

O Poder Público falha na disponibilização de suportes. Um exemplo básico é a falta dos fundamentais cuidadores na rede regular de ensino (são facilitadores na mobilidade, comunicação, e em diversas outras limitações a que a Pessoa com Deficiência possa estar sujeita).

As Ações Civis Públicas promovidas pelo Ministério Público contra o Poder Executivo por negligência no atendimento à Pessoa com Deficiência na rede regular de ensino, e os Termos de Ajuste de conduta (TAC) firmados entre Ministério Público e Governo expõem o óbvio: que o professor não possui condições de trabalho, que não existe estrutura para o ensino inclusivo.

http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/2013/marco_2013/2013%2003%2019%20MP%20e%20Governo%20do%20Estado%20firmam%20TAC%20para%20garantir%20cuidadores%20na%20rede%20escolar.pdf

Normatização nós já temos. Muitas, aliás.

  • Hegle Machado Zalewska – Advocay; Comunicadora; Desenvolvedora de Projetos; Produtora de Conteúdo de Políticas Públicas; Advogada Especializada em Direito Digital. 

e-mail: heglemz@yahoo.com.br

Fonte  https://revistareacao.com.br/as-pessoas-com-deficiencia-devem-se-enquadrar-ao-sistema-geral-de-ensino-ou-o-sistema-regular-de-ensino-deve-se-enquadrar-a-diversidade-promovendo-a-inclusao/

POSTADO POR ANTÔNIO BRITO 

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