25/11/2020

Futuro do mercado de trabalho para pessoas com deficiência gera expectativas para efetiva inclusão

Tabata Contri. Foto: Arquivo pessoal

A lei 8.213/91 pode ser considerada um marco na luta pela inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. A reserva de 2 a 5% de vagas em empresas com 100 ou mais empregados prometia novos horizontes para o futuro do trabalho.

Em 2015, a Lei da Inclusão (13.146/2015) passou a garantir o “direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
Os ecos de ambas as medidas são amplamente positivos, mas, na prática, podem ser considerados discretos.

Dados apresentados pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018, mostram que, das quase 47 milhões de vagas com carteira assinada daquele ano, somente 486 mil eram preenchidas por pessoas com deficiência. O número corresponde a 1,04% do total, número bem abaixo do esperado para uma população de 46 milhões de pessoas com deficiência.

Dentro de uma economia afetada pela pandemia da Covid-19, a disputa por emprego se tornou ainda mais acirrada. E, se o futuro do mercado trabalho para pessoas com deficiência gera expectativas de inclusão, a qualificação ganha peso no currículo.

Confira os principais desafios impostos pelo mercado e as habilidades cruciais para se tornar o profissional do futuro.

O caminho para o futuro do trabalho

Da abertura de processos seletivos à inclusão, existem múltiplos desafios para o futuro do trabalho das pessoas com deficiência. Se fosse respeitado o percentual exigido pela Lei de Cotas, pessoas com deficiência deveriam ocupar bem mais vagas do que o verificado hoje. De acordo com a produtora de conteúdo Ana Kelly Melo, porém, muitas empresas preferem pagar a multa do Ministério do Trabalho do que cumprir as cotas.

“O foco nas contratações ainda é necessário. É muito importante que as companhias considerem pessoas com deficiência em suas seleções”, ressalta Ana.

Ana Kelly. Foto: Andressa Leão

Não são incomuns as situações nas quais pessoas com deficiência são efetivadas em cargos que não exigem ou consideram habilidades técnicas. Passam a simplesmente preencher uma vaga somente para “cumprir a cota”, sem perspectiva de aprendizado e crescimento dentro da empresa.

São casos nos quais os profissionais não são tratados como tal e ocupam cargos que, na avaliação de Ana Kelly, são subempregos.

As diferentes acessibilidades

A inclusão efetiva necessita que dois obstáculos sejam perpassados. O primeiro é que, frequentemente, as empresas não estão preparadas para receber empregados que sejam pessoas com deficiência. Logo, por não contarem com medidas de acessibilidade, acabam por “encostar” esses profissionais.

Para a consultora em inclusão de profissionais com deficiência Tabata Contri, a inclusão é necessária desde o planejamento de espaços acessíveis.

“Já passamos da fase de ‘fazer para’ e estamos no momento do ‘fazer com’. Inclusão se faz junto. Por isso, nós, pessoas com deficiência, usamos a frase ‘Nada sobre nós sem nós’, que ficou famosa na convenção da ONU que aconteceu no Brasil em 2006”, aponta Tabata.

E quando falamos em acessibilidade, não nos referimos somente a medidas arquitetônicas (espaços com rampas, piso tátil etc), mas também às cinco outras dimensões abaixo:

- Acessibilidade atitudinal: relacionada ao fomento de uma cultura inclusiva, sem estigmas ou discriminação.

- Acessibilidade metodológica: que aborda barreiras técnicas, de processos e metodologias no trabalho;

- Acessibilidade instrumental: que quebra barreiras no acesso a instrumentos de trabalho;

- Acessibilidade programática: para acabar com barreiras que estão dentro de leis, normas e regulamentos;

- Acessibilidade natural: relacionada a barreiras naturais.

As empresas devem sempre incluir pessoas com deficiência no debate sobre acessibilidade. Somente elas podem fornecer detalhes que fazem toda a diferença na construção de um espaço inteiramente acessível.

O profissional do futuro deve estar atento às múltiplas dimensões citadas acima. Dessa forma, será capaz de contribuir para a quebra de cada tipo de barreira.

O outro obstáculo para a inclusão está fortemente enraizado na sociedade. E deve ganhar atenção por ser uma das metas a serem superadas no futuro do trabalho: o capacitismo.

Capacitismo e liderança

O capacitismo consiste em atos de discriminação, opressão ou abuso da pessoa com deficiência. Está relacionado à dimensão atitudinal da acessibilidade, envolvendo estigmas que definem pessoas com deficiência como inferiores ou, o oposto, como heroínas.

Seus efeitos são sentidos em todos os segmentos do mercado, principalmente, na escalada entre cargos. Uma mentalidade capacitista faz com que diversos profissionais fiquem estagnados e sem perspectivas.

“Enquanto associarmos deficiência à incapacidade teremos entraves. Precisamos conscientizar as lideranças sobre o capacitismo que permeia as decisões de meritocracia e acabam travando o desenvolvimento e evolução hierárquica de vários profissionais”, explica Ana Kelly.

Já segundo Tabata Contri, menos de 1% das pessoas com deficiência ocupam cargos de liderança nas 500 maiores empresas para se trabalhar no Brasil. A causa seria a falta de credibilidade e de um olhar que ultrapassasse as deficiências e enxergasse o profissional.

“Precisamos entender que a inclusão de pessoas com deficiência é diferente de caridade. É oportunidade porque temos que pensar que esses talentos vão produzir e trazer resultados para os negócios. Não podemos ser contratados como deficiências. Somos talentos e temos muito a somar”, enfatiza Tabata.

O planejamento de recursos humanos deve considerar os postos ocupados por pessoas com deficiência como partes essenciais para o desenvolvimento da empresa. Na verdade, tão importantes quanto qualquer cargo, contribuindo não apenas para os objetivos organizacionais, como também para os individuais.

Para isso, é vital que se invista em uma cultura inclusiva e anticapacitista. Líderes e gestores devem olhar para o profissional com deficiência valorizando seu potencial e pensando em seu desenvolvimento. Além disso, devem estar bem preparados para gerir pessoas com diferentes deficiências e seus graus.

Em contrapartida, os profissionais não podem estar despreparados. O investimento constante em capacitação será decisivo para um futuro do trabalho altamente competitivo.

Habilidades para o profissional do futuro

“É preciso deixar claro que a Lei de Cotas abre oportunidades no trabalho, mas ela não garante estabilidade, promoção ou sucesso na carreira”, afirma Tabata Contri.

As palavras da consultora de inclusão reforçam o valor de um aprimoramento contínuo para o profissional do futuro. A necessidade de constante atualização já é realidade em praticamente todos os setores da economia, das novas tecnologias à gestão. Para profissionais com deficiência, a situação não seria diferente.

Como vimos, uma série de empresas ainda não cumpre – por diferentes motivos – a cota de contratações de pessoas com deficiência. Isso diminui o número de oportunidades abertas e aumenta bastante a concorrência.

A fim de se destacar, o profissional deve possuir um leque de habilidades diferenciadas. Além das hard skills, que envolvem conhecimentos técnicos como operar máquinas, elaborar códigos de programação, aplicar um protocolo de saúde etc. - as chamadas soft skills ganharam relevância como habilidades do futuro.

“Habilidades comportamentais, como relações interpessoais e autogestão são fundamentais. Serão destaque os profissionais que construírem relações de confiança com suas lideranças e com seus times”, completa ela.

E, por falar em qualificação, a falta de inclusão também atinge instituições educacionais. Da mesma forma que empresas contratantes, não é raro que escolas, cursos ou universidades não aceitem o ingresso de pessoas com deficiência. Isso sem considerar a acessibilidade do espaço ou da metodologia de ensino.

A educação se põe, portanto, como uma outra barreira a ser superada para o futuro do trabalho.

As novas profissões e modelos de trabalho

O profissional com deficiência também precisa ficar atento às possibilidades abertas com as novas profissões e modelos de trabalho.

A pandemia da Covid-19 acelerou uma tendência de descentralização com empresas de todos os portes adotando, por segurança, o home office.

Em primeiro momento, podemos pensar que a PcD tende a se beneficiar do regime de trabalho à distância. A economia de tempo e deslocamento é grande, sem contar as complicações urbanas como a falta de transporte público acessível e a má qualidade das calçadas.

A produtividade em casa, contudo, exige recursos. Acesso à internet, um ambiente confortável e sem ruídos, familiares que compreendam o expediente, entre outros, são indispensáveis ao regime remoto.

No caso de pessoas que tenham grande dificuldade de deslocamento e que tenham acesso a toda essa estrutura, exercer uma função à distância é uma solução.

Mesmo assim, existem situações em que o home office é prejudicial. Ana Kelly enxerga que um espaço de trabalho coletivo pode ser vantajoso em alguns casos.

“A socialização também faz parte da capacitação dos profissionais de forma que consigam navegar em um ambiente corporativo. Nesse ponto, o ambiente digital sai perdendo”, ressalta a produtora de conteúdo.

Cada situação é diferente da outra, sendo sempre melhor analisar individualmente.

Tecnologias saem na frente

Mesmo com um cenário abalado pela pandemia, um setor se sobressaiu justamente pelo contrário.

A área de tecnologia foi a menos afetada em 2020, ao obter um crescimento a taxas significativas. Uma alta demanda aliada à pouca presença de talentos com deficiência em tecnologia indicam que as novas profissões podem surgir da área de TI.

“Se formos dar uma dica para as pessoas com deficiência que estão definindo qual carreira ingressar, o universo da tecnologia é um caminho interessante”, conclui Tabata Contri.

O futuro do trabalho é oportunidade e qualificação

Pessoas com deficiência podem e devem ocupar todos os espaços na sociedade na busca da legitimação de seu lugar.

Ao mesmo tempo em que se faz necessário pressionar pelo cumprimento de medidas como a Lei de Cotas, promover oportunidades sem corresponder com qualificação é somente meio caminho andado.

Em suma, o futuro do trabalho exige que a sociedade mude a mentalidade capacitista, entendendo que as pessoas com deficiência têm papel importante a desempenhar dentro das organizações. E ainda mais: elas podem escolher exatamente qual é esse papel.

Fonte  https://www.cpb.org.br/noticia/detalhe/3121/futuro-do-mercado-de-trabalho-para-pessoas-com-deficiencia-gera-expectativas-para-efetiva-inclusao
POSTADO POR ANTÔNIO BRITO 

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