22/12/2023

TERMINOLOGIA SOBRE DEFICIÊNCIA NA ERA DA INCLUSÃO



Romeu Kazumi Sassaki *

 Usar ou não usar termos técnicos corretamente não é uma mera questão semântica ou sem importância, se desejamos falar ou escrever construtivamente, numa perspectiva inclusiva, sobre qualquer assunto de cunho humano. E a terminologia correta é especialmente importante quando abordamos assuntos tradicionalmente eivados de preconceitos, estigmas e estereótipos, como é o caso das deficiências que vários milhões de pessoas possuem no Brasil.

Os termos são considerados corretos em função de certos valores e conceitos vigentes em cada sociedade e em cada época. Assim, eles passam a ser incorretos quando esses valores e conceitos vão sendo substituídos por outros, o que exige o uso de outras palavras. Estas outras palavras podem já existir na língua falada e escrita, mas, neste caso, passam a ter novos significados. Ou então são construídas especificamente para designar conceitos novos. O maior problema decorrente do uso de termos incorretos reside no fato de os conceitos obsoletos, as ideias equivocadas e as informações inexatas serem inadvertidamente reforçados e perpetuados.

Este fato pode ser a causa da dificuldade ou excessiva demora com que o público leigo e os profissionais mudam seus comportamentos, raciocínios e conhecimentos em relação, por exemplo, à situação das pessoas com deficiência. O mesmo fato também pode ser responsável pela resistência contra a mudança de paradigmas, como o que está acontecendo, por exemplo, na mudança que vai da “integração” para a “inclusão” em todos os sistemas sociais comuns.

Trata-se, pois, de uma questão da maior importância em todos os países. Existe uma literatura consideravelmente grande em várias línguas. No Brasil, tem havido tentativas de levar ao público a terminologia correta para uso na abordagem de assuntos de deficiência a  fim de que desencorajemos práticas discriminatórias e construamos uma verdadeira sociedade inclusiva.

A seguir, apresentamos várias expressões incorretas seguidas de comentários e dos equivalentes termos corretos, frases corretas e grafias corretas, com o objetivo de  subsidiar o trabalho de estudantes leito de qualquer grau do sistema educacional, pessoas com deficiência e familiares, profissionais de diversas áreas (reabilitação, educação, mídia, esportes, lazer etc.), que necessitam falar e escrever sobre assuntos de pessoas  com  deficiência no seu dia a dia. Ouvimos e/ou lemos esses termos incorretos em livros, revistas, jornais, programas de televisão e de rádio, apostilas, reuniões, palestras e aulas.

A enumeração de cada expressão incorreta servirá para direcionar o leitor de uma expressão para outra quando os comentários forem os mesmos para diferentes expressões (ou pertinentes entre si), evitando-se desta forma a repetição dos comentários.
 
Onde houver a indicação “Consultar”, o leitor poderá procurar a respectiva fonte nas Referências fornecidas no final deste texto.

1.    adolescente normal
Desejando referir-se a um adolescente (uma criança ou um adulto) que não possua uma deficiência, muitas pessoas usam as expressões “adolescente normal”, “criança normal” e “adulto normal”. Isto acontecia muito no passado, quando a desinformação e o preconceito a respeito de pessoas com deficiência eram de tamanha magnitude que a sociedade acreditava  na normalidade das pessoas sem deficiência. Esta crença fundamentava-se na idéia de que  era anormal a pessoa que tivesse uma deficiência. A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável e ultrapassado. TERMOS CORRETOS: adolescente [ou criança ou adulto] sem deficiênciaadolescente [ou criança ou adulto] não-deficiente.

2.    aleijado; defeituoso; incapacitado; inválido
Estes termos eram utilizados com frequência até a década de 80. A partir de 1981, por influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começa-se a escrever e falar pela primeira vez a expressão “pessoa deficiente”. O acréscimo da palavra “pessoa”, passando o vocábulo “deficiente” para a função de adjetivo, foi uma grande novidade na época. No início, houve reações de surpresa e espanto diante da palavra “pessoa”: “Puxa, os deficientes são pessoas?!”. Aos poucos, entrou em uso a expressão “pessoa portadora de deficiência”, frequentemente reduzida para “portadores de deficiência”. Por volta da metade da década de 90, entrou em uso o TERMO CORRETO pessoas com deficiência, que permanece até os dias de hoje. Consultar SASSAKI (2003). Ver os itens 48 e 49.

3.    “apesar de deficiente, ele é um ótimo aluno”
Na frase acima há um preconceito embutido: ‘A pessoa com deficiência não pode ser um ótimo aluno’. FRASE CORRETA: “ele tem deficiência e é um ótimo aluno”.

4.    “aquela criança não é inteligente”
Todas as pessoas são inteligentes, segundo a Teoria das Inteligências Múltiplas. Até o presente, foi comprovada a existência de nove tipos de inteligência: lógico-matemática, verbal-linguística, interpessoal, intrapessoal, musical, naturalista, corporal-cinestésica e visual-espacial (GARDNER, 2000). Consultar ANTUNES (1998, 1999) e SASSAKI (2001). FRASE CORRETA: “aquela criança é menos desenvolvida na inteligência [por ex.] lógico- matemática”.

5.    cadeira de rodas elétrica
Trata-se de uma cadeira de rodas equipada com um motor. TERMO CORRETO: cadeira de rodas motorizada.

6.    ceguinho
O  diminutivo  “ceguinho”  denota  que  o  cego  não  é  tido  como  uma  pessoa completa. TERMOS CORRETOS: cego; pessoa cega; pessoa com deficiência visual. Ver o item 60.

7.    classe normal
TERMOS CORRETOS: classe comum; classe regular. No futuro, quando todas as escolas se tornarem inclusivas, bastará o uso da palavra “classe” sem adjetivá-la. Ver os itens 26 e 52.

8.    criança excepcional
TERMO CORRETO: criança com deficiência intelectual. “Excepcionais” foi o termo utilizado nas décadas de 50, 60 e 70 para designar pessoas com deficiência intelectual. Com o surgimento de estudos e práticas educacionais nas décadas de 80 e 90 a respeito de altas habilidades ou talentos extraordinários, o termo “excepcionais” passou a se referir tanto a pessoas com inteligências múltiplas acima da média (pessoas superdotadas ou com altas habilidades e gênios) quanto a pessoas com inteligência lógico-matemática abaixo da média (pessoas com deficiência intelectual) - daí surgindo, respectivamente, os termos “excepcionais positivos” e “excepcionais negativos”, de raríssimo uso. Consultar SASSAKI (2003), SASSAKI (2006a) e SASSAKI (2006b).

9.    defeituoso físico
“Defeituoso”, “aleijado” e “inválido” são palavras muito antigas e eram utilizadas com frequência até o final da década de 70. O termo “deficiente”, quando usado como substantivo (por ex., o deficiente físico), está caindo em desuso. TERMO CORRETO: pessoa com deficiência física. Ver os itens 10 e 12.

10.    deficiência física (como nome genérico englobando todos os tipos de deficiência).
TERMO CORRETO: deficiência (como nome genérico, sem especificar o tipo, mas referindo-se a todos os tipos). Alguns profissionais, não-familiarizados com o campo da reabilitação, acreditam que as deficiências físicas são divididas em motoras, visuais, auditivas e mentais. Para eles, “os deficientes físicos” são todas as pessoas que têm deficiência de qualquer tipo, o que é um equívoco. A deficiência física, propriamente dita, consiste na “alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções” (arts. 5º e 70, Decreto nº 5.296, 2/12/04). Consultar BRASIL (2004). Ver os itens 9 e 12.

11.    deficiência mental leve, moderada, severa, profunda
TERMO CORRETO: deficiência intelectual (sem especificar nível de comprometimento). A partir da Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual, aprovada em 6/10/04  pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2004), em conjunto com a Organização Pan- Americana de Saúde (Opas), o termo “deficiência mental” passou a ser “deficiência intelectual”. Antes, em 1992, a então Associação Americana de Deficiência Mental  (AAMR, em inglês) adotou uma nova conceituação da deficiência intelectual (até então denominada “deficiência mental”), considerando-a não mais como um traço absoluto da pessoa que a tem e sim como um atributo que interage com o seu meio ambiente físico e humano, o qual deve adaptar-se às necessidades especiais dessa pessoa, provendo-lhe o apoio intermitente, limitado, extensivo ou permanente de que ela necessita para funcionar em 10 áreas de habilidades adaptativas: comunicação, autocuidado, habilidades sociais,  vida familiar, uso comunitário, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho. A AAMR, em reunião de novembro de 2006, decidiu que, a partir de 1°/1/07, passará a chamar-se Associação Americana de Deficiências Intelectual e de Desenvolvimento (AAIDD, em inglês). Consultar RIO DE JANEIRO (c. 2001). A classificação da então “deficiência mental” em leve, moderada, severa e profunda foi  instituída pela OMS em 1968 e perdurou até 2004. Consultar BRASIL (2004), SASSAKI (2006a), SASSAKI (2006b) e SASSAKI (2007). Ver os itens 36 e 51.

12.    deficiente físico (ao se referir a pessoa com qualquer tipo de deficiência).
TERMO CORRETO: pessoa com deficiência (sem especificar o tipo de deficiência). Ver os itens 9 e 10.

13.    deficiente mental (ao se referir a uma pessoa com transtorno mental)
TERMOS CORRETOS: pessoa com transtorno mental, paciente psiquiátrico. Consultar a lei sobre os direitos das pessoas com transtorno mental, em BRASIL (2001) e SASSAKI (2006b).

14.    deficiente psíquico (ou psicossocial)
TERMO CORRETO: pessoa com deficiência psicossocial. A categoria “deficiência psicossocial” foi acrescentada junto às categorias tradicionais (deficiências física, visual, auditiva, intelectual e múltipla) no texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 13/12/06 pela Assembleia Geral da ONU [ratificada com equivalência de emenda constitucional pelo Decreto Legislativo n. 186, de 9/7/08, e promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25/8/09]. Consultar SASSAKI (2011 e 2010).

15.    doente mental (ao se referir a uma pessoa com deficiência intelectual)
TERMO CORRETO: pessoa com deficiência intelectual (novo nome para “deficiência mental”). O termo “deficiente”, usado como substantivo (por ex.: o deficiente intelectual), tende a desaparecer, exceto em títulos de matérias jornalísticas por motivo de economia de espaço. Consultar RIO DE JANEIRO (c. 2001), SASSAKI (2006a) e SASSAKI (2006b).

16.    “ela é cega, mas mora sozinha”
Na frase acima há um preconceito embutido: ‘Todo cego não é capaz de morar sozinho’. FRASE CORRETA: “ela é cega e mora sozinha”.

17.    “ela é retardada mental, mas é uma atleta excepcional”
Na frase acima há um preconceito embutido: ‘Toda pessoa com deficiência mental não tem capacidade para ser atleta’. FRASE CORRETA: “ela tem deficiência intelectual e se destaca como atleta”.

18.    “ela é surda [ou cega], mas não é retardada mental”
A frase acima contém um preconceito: ‘Todo surdo ou cego tem retardo mental’. “Retardada mental”, “retardamento mental” e “retardo mental” são termos do passado. O adjetivo “mental”, no caso de deficiência, mudou para “intelectual” a partir de 2004. Ver o item 12. FRASE CORRETA: “ela é surda [ou cega] e não tem deficiência intelectual”.

19.    “ela foi vítima de paralisia infantil”
A poliomielite já ocorreu (tempo passado) nesta pessoa (por isso, o verbo no passado: “ela teve pólio”). Enquanto a pessoa estiver viva, ela tem (verbo no presente) sequela de poliomielite. A palavra “vítima” provoca sentimento de piedade. FRASES CORRETAS: “ela teve [flexão no passado] paralisia infantil” e/ou “ela tem [flexão no presente] sequela de paralisia infantil”.

20.    “ela teve paralisia cerebral” (ao se referir, no presente, a uma pessoa com paralisia cerebral)
A paralisa cerebral permanece com a pessoa por toda a vida. FRASE CORRETA: “ela tem paralisia cerebral”.

21.    “ele atravessou a fronteira da normalidade quando sofreu um acidente de carro e ficou deficiente”
A  normalidade,  em relação  a  pessoas,  é  um conceito  questionável.  A palavra  “sofrer” coloca a pessoa em situação de vítima e, por isso, provoca sentimentos de piedade. FRASE CORRETA: “ele teve um acidente de carro que o deixou com uma deficiência”.

22.    ”ela foi vítima da pólio”
A palavra “vítima” provoca sentimento de piedade. TERMOS CORRETOS: pólio; poliomielite; paralisia infantil. FRASE CORRETA: “ela teve pólio”.

23.    “ele é surdo-cego”
GRAFIA CORRETA: “ele é surdocego”. Também podemos dizer ou escrever: “ele tem surdocegueira”.  Ver o item 56.

24.    “ele manca com bengala nas axilas”
FRASE CORRETA: “ele anda com muletas axilares”. No contexto coloquial, é correto o uso do termo “muletante” para se referir a uma pessoa que anda apoiada em muletas.

25.    “ela sofre de paraplegia” (ou “de paralisia cerebral” ou “de sequela de poliomielite”)
A palavra “sofrer” coloca a pessoa em situação de vítima e, por isso, provoca sentimentos de piedade. FRASE CORRETA: “ela tem paraplegia” [ou “paralisia cerebral” ou “sequela de poliomielite”].

26.    escola normal
No futuro, quando todas as escolas se tornarem inclusivas, bastará o uso da  palavra “escola” sem adjetivá-la. TERMOS CORRETOS: escola comum; escola regular.  Ver  os itens 7 e 52.

27.    “esta família carrega a cruz de ter um filho deficiente”
Nesta frase há um estigma embutido: “Filho deficiente é um peso morto para a família”. FRASE CORRETA: “esta família tem um filho com deficiência”.

28.    “infelizmente, meu primeiro filho é deficiente; mas o segundo é normal”
A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável, ultrapassado. E  a palavra “infelizmente” reflete o que a mãe pensa da deficiência do primeiro filho: “uma coisa ruim”. FRASE CORRETA: “tenho dois filhos: o primeiro tem deficiência e o segundo não tem”.

29.    intérprete do LIBRAS
TERMOS CORRETOS: intérprete da Libras; intérprete de Libras. GRAFIA CORRETA: Libras e não LIBRAS (como aparece na legislação). Libras é sigla de língua de sinais brasileira: Li = língua de sinais, bras = brasileira. “Libras é um termo consagrado pela comunidade surda brasileira, e com o qual ela se identifica. Ele é consagrado pela tradição e é extremamente querido por ela. A manutenção deste termo indica nosso profundo respeito para com as tradições deste povo a quem desejamos ajudar e promover, tanto por razões humanitárias quanto de consciência social e cidadania. Entretanto, no índice linguístico internacional os idiomas naturais de todos os povos do planeta recebem uma sigla de três  letras como, por exemplo, ASL (American Sign Language). Então será necessário chegar à outra sigla. Tal preocupação ainda não parece ter chegado na esfera do Brasil”, segundo CAPOVILLA (2001). É igualmente aceita a sigla LSB (Língua de Sinais Brasileira). A rigor, na grafia por extenso, quando se tratar da disciplina Língua de Sinais Brasileira, escreve-se  em maiúsculo a letra inicial de cada uma dessas palavras. Mas, quando se referir ao substantivo composto, grafa-se “língua de sinais brasileira”, tudo em caixa baixa. Ver os itens 32, 33 e 34.

30.    inválido (quando se referir a uma pessoa que tenha uma deficiência)
A palavra “inválido” significa “sem valor”. Assim eram consideradas as pessoas com deficiência desde a Antiguidade até o final da Segunda Guerra Mundial. TERMO CORRETO: pessoa com deficiência.
 
31.    lepra; leproso; doente de lepra
TERMOS CORRETOS: hanseníase; pessoa com hanseníase; doente de hanseníase. Prefira a expressão “as pessoas com hanseníase” ao termo “os hansenianos”. A Lei nº 9.010, de 29/3/95, proíbe a utilização da palavra “lepra” e seus derivados, na linguagem empregada nos documentos oficiais. Alguns dos termos derivados e suas respectivas versões oficiais são: “leprologia (hansenologia), leprologista (hansenologista), leprosário ou leprocômio (hospital de dermatologia), lepra lepromatosa (hanseníase virchoviana), lepra tuberculóide (hanseníase tuberculóide), lepra dimorfa (hanseníase dimorfa), lepromina (antígeno de Mitsuda), lepra indeterminada (hanseníase indeterminada)”. A palavra “hanseníase” deve ser pronunciada com o “h” mudo [como em haras, haste, harpa]. Consultar BRASIL (1995). Mas, pronuncia- se o nome Hansen (do médico e botânico norueguês Armauer Gerhard Hansen, descobridor  da bactéria da hanseníase em 1873) com o “h” aspirado.

32.    LIBRAS - Linguagem Brasileira de Sinais
GRAFIA CORRETA: Libras. TERMO CORRETO: língua de sinais brasileira. Trata-se de uma língua e não de uma linguagem. Segundo CAPOVILLA (comunicação pessoal), “Língua de Sinais Brasileira é preferível a Língua Brasileira de Sinais por uma série imensa de razões. Uma das mais importantes é que Língua de Sinais é uma unidade, que se refere a uma modalidade lingüística quiroarticulatória-visual e  não  oroarticulatória-auditiva. Assim, há Língua de Sinais Brasileira porque é a língua de sinais desenvolvida e empregada pela comunidade surda brasileira. Não existe uma Língua Brasileira, de sinais ou falada”. Observe-se a expressão correta no título do livro Dicionário Enciclopédico Trilíngue da Língua de Sinais Brasileira, v. I e II (CAPOVILLA & RAPHAEL, 2001). Ver os itens 29, 33 e 34.

33.    língua dos sinais
TERMO CORRETO: língua de sinais. Trata-se de uma língua viva e, por isso, novos sinais sempre surgirão: a quantidade total de sinais não pode ser definitiva. Daí a expressão correta “língua de sinais” e não “língua dos sinais”. Ver os itens 29, 32 e 34.

34.    linguagem de sinais
TERMO CORRETO: língua de sinais. A comunicação sinalizada dos e com os surdos constitui um língua e não uma linguagem. Já a comunicação por gestos, envolvendo ou não pessoas surdas, constitui uma “linguagem gestual”. Outra aplicação do conceito de linguagem se refere ao que as posturas e atitudes humanas comunicam não-verbalmente, também conhecido como a “linguagem corporal”. Ver os itens 29, 32 e 33.

35.    Louis Braile
GRAFIA CORRETA: Louis Braille. O criador do sistema de escrita e impressão para cegos foi o educador francês Louis Braille (1809-1852), que era cego. Ver os itens 53 e 54.

36.    mongolóide; mongol
TERMOS CORRETOS: pessoa com síndrome de Down; criança com Down; uma criança Down. As palavras “mongol” e “mongolóide” refletem o preconceito racial da comunidade científica do século 19. Em 1959, os franceses descobriram que a síndrome de Down era um acidente genético. O termo “Down” vem de John Langdon Down, nome do médico inglês que identificou a síndrome em 1866. “A síndrome de Down é uma das anomalias cromossômicas mais frequentes encontradas e, apesar disso, continua envolvida em idéias errôneas... Um dos momentos mais importantes no processo de adaptação da família que tem uma criança com síndrome de Down é aquele em que o diagnóstico é comunicado aos pais, pois esse momento pode ter grande influência em sua reação posterior.” (MUSTACCHI, 2000). Consultar Projeto Down (s/d). Ver os itens 11 e 51.

37.    mudinho
Quando se refere ao surdo, a palavra “mudo” não corresponde à realidade dessa pessoa. O diminutivo “mudinho” denota que o surdo não é tido como uma pessoa completa. TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. Há casos de pessoas que ouvem (portanto, não são surdas), mas têm um distúrbio da fala (ou deficiência da fala) e, em decorrência disso, não falam. Ver os itens 47, 57 e 58.

38.    necessidades educativas especiais
TERMO CORRETO: necessidades educacionais especiais. “A palavra “educativo” significa “algo que educa”. Ora, necessidades não educam; elas são educacionais, ou seja, concernentes à educação” (SASSAKI, 1999). O termo “necessidades educacionais especiais” foi adotado pelo Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Básica (Resolução nº 2, de 11-9-01, com base no Parecer CNE/CEB nº 17/2001, homologado pelo MEC em 15/8/01). Esta Resolução, durante o ano de 2005, estava sendo reformulada pelo CNE. Consultar CNE (2001) e SASSAKI (2006a).

39.    o epilético (ou a pessoa epilética)
TERMOS CORRETOS: a pessoa com epilepsia; a pessoa que tem epilepsia. Evite as expressões “o epilético”, “a pessoa epilética” e suas flexões em gênero e número.

40.    o incapacitado (ou a pessoa incapacitada)
TERMO CORRETO: a pessoa com deficiência. A palavra “incapacitado” é muito antiga e era utilizada com frequência até a década de 80. Evite os termos “o incapacitado”, “a pessoa incapacitada” e suas flexões em gênero e número.

41.    o paralisado cerebral (ou a pessoa paralisada cerebral)
TERMO CORRETO: a pessoa com paralisia cerebral. Evite as expressões “o paralisado cerebral”, “a pessoa paralisada cerebral” e suas flexões em gênero e número.

42.    “paralisia cerebral é uma doença”
FRASE CORRETA: “paralisia cerebral é uma condição”. Muitas pessoas confundem ‘doença’ com ‘deficiência’.

43.    pessoa normal
TERMOS CORRETOS: pessoa sem deficiência; pessoa não-deficiente. A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável e ultrapassado.

44.    pessoa presa (confinada, condenada) a uma cadeira de rodas
TERMOS CORRETOS: pessoa em cadeira de rodas; pessoa que anda em cadeira de rodas; pessoa que usa cadeira de rodas. Os termos “presa”, “confinada” e “condenada” provocam sentimentos de piedade. No contexto coloquial, é correto o uso dos termos “cadeirante” e “chumbado”.

45.    pessoas ditas deficientes
TERMO CORRETO: pessoas com deficiência. A palavra “ditas”, neste caso, funciona como eufemismo para negar ou suavizar a deficiência, o que é preconceituoso.

46.    pessoas ditas normais
TERMOS CORRETOS: pessoas sem deficiência; pessoas não-deficientes. Neste caso, o termo “ditas” é utilizado para contestar a normalidade das pessoas, o que se torna redundante nos dias de hoje.

47.    pessoa surda-muda
GRAFIAS CORRETAS: pessoa surda ou, dependendo do caso, pessoa com deficiência auditiva. Quando se refere ao surdo, a palavra “mudo” não corresponde à realidade dessa pessoa. Diferencia-se entre “deficiência auditiva parcial” (perda de 41 decibéis) e “deficiência auditiva total” (ou surdez, cuja perda é superior a 41 decibéis), perdas essas aferidas por audiograma nas frequências de 500Hz, 2.000Hz e 3.000Hz, segundo o Decreto nº 5.296, de 2/12/05, arts. 5º e 70 (BRASIL, 2005). Ver os itens 37, 57 e 58.

48.    portador de deficiência
TERMO CORRETO: pessoa com deficiência. No Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo “portador de deficiência” (e suas flexões no feminino e no plural). Pessoas com deficiência vêm ponderando que elas não portam deficiência; que a deficiência que elas têm não é como coisas que às vezes portamos e às  vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guarda-chuva). O termo preferido passou a ser “pessoa com deficiência”. Aprovados após debate mundial, os termos “pessoa com deficiência” e “pessoas com deficiência” são utilizados no texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em 13/12/06 pela Assembléia Geral da ONU [ratificada com equivalência de emenda constitucional pelo Decreto Legislativo n. 186, de 9/7/08, e promulgada pelo Decreto n. 6.949, de 25/8/09]. Consultar ONU (2006) e SASSAKI (2003). Ver os itens 2 e 49.

49.    PPD’s
GRAFIA CORRETA: PPD (tanto no singular como no plural). Não se usa apóstrofo para designar o plural de siglas. A mesma regra vale para siglas como ONG (e não ONG’s). No Brasil, tornou-se bastante popular, acentuadamente entre 1986 e 1996, o uso do termo “pessoas portadoras de deficiência”. Hoje, o termo preferido passou a ser “pessoas com deficiência”, motivando o desuso da sigla “PPD”. Devemos evitar o uso de siglas em seres humanos. Mas, torna-se necessário usar siglas em circunstâncias pontuais, como em gráficos, quadros, colunas estreitas, manchetes de matérias jornalísticas etc. Nestes casos, a sigla recomendada é PcD, significando “pessoa com deficiência” ou  “pessoas com deficiência”. Esta construção é a mesma que está sendo um consenso atualmente em âmbito mundial. Em espanhol: PcD (persona con discapacidad), tanto no singular como no plural, sem  necessidade do “s” após PcD. Em inglês: PwD, também invariável em número (person with a disability, persons with disabilities, people with disabilities). Consultar SASSAKI (2003). Ver os itens 2 e 48.

50.    quadriplegia; quadriparesia
TERMOS CORRETOS: tetraplegia; tetraparesia. No Brasil, o elemento morfológico “tetra” tornou-se mais utilizado que o “quadri”. Ao se referir à pessoa, prefira o termo pessoa com tetraplegia (ou “com tetraparesia”) no lugar de “o tetraplégico” ou “o tetraparético”. Consultar BRASIL (2004).

51.    retardo mental, retardamento mental
TERMO CORRETO: deficiência intelectual. São pejorativos os termos “retardado mental”, “mongolóide”, “mongol”, “pessoa com retardo mental”, “portador de retardamento mental”, “portador de mongolismo” etc. Tornaram-se obsoletos, desde 1968, os termos: “deficiência mental dependente” (ou “custodial”), “deficiência mental treinável” (ou “adestrável”) e deficiência mental educável. Ver os itens 11 e 36.
 
52.    sala de aula normal
TERMO CORRETO: sala de aula comum. Quando todas as escolas forem inclusivas, bastará o termo “sala de aula” sem adjetivá-lo. Ver os itens 7 e 26.

53.    sistema inventado por Braile
GRAFIA CORRETA: sistema inventado por Braille. O nome Braille (de Louis Braille, inventor do sistema de escrita e impressão para cegos) se escreve com dois l (letra éle). Braille nasceu em 1809 e morreu aos 43 anos de idade. Ver os itens 35, 54 e 59.

54.    sistema Braille
GRAFIA CORRETA: sistema braile. Conforme MARTINS (1990), grafa-se Braille somente quando se referir ao educador Louis Braille. Por ex.: “A casa onde Braille passou a infância (...)”. Nos demais casos, devemos grafar: [a] braile (máquina braile, relógio braile, dispositivo eletrônico braile, sistema braile, biblioteca braile etc.) ou [b] em braile (escrita em braile, cardápio em braile, placa metálica em braile, livro em braile, jornal em braile, texto em braile etc.). NOTA: Em 10/7/05, a Comissão Brasileira do Braille (CBB) recomendou a grafia “braille”, com “b” minúsculo e dois “l” (letra éle), respeitando a forma original francesa, internacionalmente empregada (DUTRA, 2005), exceto quando nos referirmos ao educador Louis Braille. Ver os itens 35, 53 e 59.

55.    “sofreu um acidente e ficou incapacitado”
FRASE CORRETA: “teve um acidente e ficou deficiente”. A palavra “sofrer” coloca a pessoa em situação de vítima e, por isso, provoca sentimentos de piedade.

56.    surdez-cegueira; surdo-cegueira
GRAFIA CORRETA: surdocegueira. No que se refere à comunicação das (e com) pessoas surdocegas, existem a Libras tátil (Libras na palma das mãos) ou o tadoma (pessoa surdocega coloca sua mão no rosto do interlocutor, com o polegar tocando suavemente o lábio inferior e os outros dedos pressionando levemente as cordas vocais). O método tadoma foi utilizado pela primeira vez nos Estados Unidos, em 1926, quando Sophia Alcorn conseguiu comunicar-se com os surdocegos Tad e Oma, nomes que deram origem à palavra “tadoma”. Ver o item 23.

57.    surdinho
TERMOS CORRETOS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. O diminutivo “surdinho” denota que o surdo não é tido como uma pessoa completa. Os próprios cegos gostam de ser chamados “cegos” e os surdos de “surdos”, embora eles não descartem os termos “pessoas cegas” e “pessoas surdas”. Ver os itens 37, 47 e 58.

58.    surdo-mudo
GRAFIAS CORRETAS: surdo; pessoa surda; pessoa com deficiência auditiva. Quando  se refere ao surdo, a palavra “mudo” não corresponde à realidade dessa pessoa. Ver os itens 37, 47 e 57.

59.    texto (ou escrita, livro, jornal, cardápio, placa metálica) em Braille
GRAFIAS CORRETAS: texto em  braile; escrita  em  braile; livro  em  braile; jornal  em braile; cardápio em braile; placa metálica em braile. Consultar DUTRA (2005). Ver NOTA no item 54.

60.    visão sub-normal
GRAFIA CORRETA: visão subnormal. TERMO CORRETO: baixa visão.  Existem  quatro condições de deficiência visual: 1. cegueira (acuidade visual é igual ou menor que  0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica); 2. baixa visão (acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica); 3. casos cuja somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; 4. ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores, de acordo com o Decreto nº 5.296, de 2/12/04, arts. 5º e 70 (BRASIL, 2004). Consultar SASSAKI (2006a). Ver o item 6.


REFERÊNCIAS

ANTUNES, Celso. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
     . As inteligências múltiplas e seus estímulos. Campinas: Papirus, 1998. BRASIL. Decreto nº 5.296, 2/12/04, arts. 5º e 70 (Lei da Acessibilidade).
     . Lei nº 10.216, 6/4/01 (Lei do Transtorno Mental).
     . Lei federal nº 9.010, 29/3/95 (Lei da Hanseníase).
CAPOVILLA, Fernando César. Comunicação pessoal por e-mail em 6/6/01.
CAPOVILLA, Fernando César, RAPHAEL, Walkiria Duarte. Dicionário enciclopédico trilíngüe da língua de sinais brasileira, v. I e II. São Paulo: Edusp, 2001.
CENTRO  DE  INFORMAÇÃO  E  PESQUISA  DA  SÍNDROME  DE  DOWN.  Você     diz mongolóide ou mongol. Nós dizemos síndrome de Down. Seus amigos preferem chamá- lo de Bruno. Folheto do Projeto Down -. São Paulo, s/d.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÂO. Resolução nº 2, 11/9/01, e Parecer nº 17, de 3/7/01.
DUTRA, Claudia Pereira. Parecer sobre a grafia da palavra “braille”. Benjamin Constant, Rio de Janeiro, ano 11, nº 31, agosto 2005, p. 27.
GARDNER, Howard. Inteligência: um conceito reformulado [Intelligence reframed]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Identificando o aluno com deficiência mental: Critérios e parâmetros. Rio de Janeiro: Coordenação de Educação Especial, s/d (c. 2001)
MARTINS, Eduardo. Manual de redação e estilo. São Paulo: O Estado de S.Paulo, 1990, p.313.
MUSTACCHI, Zan. Síndrome de Down. In: MUSTACCHI, Zan, PERES, Sergio. Genética baseada em evidências: síndromes e heranças. São Paulo: CID, 2000, p. 880.
OMS. Declaração de Montreal sobre Deficiência Intelectual. Montreal, Canadá, 4-6 outubro 2004.
ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Nova York: Nações  Unidas, 2006.
PROJETO DOWN. Você diz mongolóide ou mongol. Nós dizemos síndrome de Down. Seus amigos preferem chamá-lo de Bruno. São Paulo: Centro de Informação e Pesquisa da Síndrome de Down, s/d. (folheto)
RIO DE JANEIRO. Identificando o aluno com deficiência mental: critérios e parâmetros.  Rio de Janeiro: Coordenação de Educação Especial, Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, c. 2001.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Incluindo pessoas com deficiência psicossocial – Parte 2. Revista Reação, ano XIV, n. 79, mar./abr. 2011, p.12-19.
     . Incluindo pessoas com deficiência psicossocial– Parte 1. Revista Reação, ano XIV, n.78, jan./fev. 2011, p.10-14.
     . Deficiência psicossocial: A nova categoria de deficiência. Agenda do Portador de Eficiência 2011, Bloco 2, p. 13-16, 2010.
     . Deficiência intelectual e inclusão. Revista Reação, ano X, n. 54, jan./fev 2007, p. 8-11, e n. 55, mar./abr. 2007, p. 8-10.
     . Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8.ed. Rio de Janeiro: WVA, 2010.
    . Questões semânticas sobre as deficiências visual e intelectual na perspectiva inclusiva. São Paulo, 2006a.
     . Deficiência mental ou intelectual? Doença ou transtorno mental? Atualizações semânticas na inclusão de pessoas. São Paulo, 2006b.
     . Inteligências múltiplas na educação inclusiva. São Paulo, 2001 (apostila de curso).
     . Portadores de deficiência ou pessoas com deficiência? Recife: Encontrão 2000. (evento realizado em 3 a 6 de setembro de 2000). São Paulo, julho de 2003.
     . Vocabulário usado pela mídia: O certo e o errado. Recife, 2000 (apostila de curso).
     . Como chamar as pessoas que têm deficiência. São Paulo: RNR, 2003.
     . A educação especial e a leitura para o mundo: A mídia. Campinas, 1997 (apostila de palestra).

________________________

* Consultor de inclusão social e autor dos livros Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos (7.ed., Rio de Janeiro: WVA, 2006) e Inclusão no Lazer e Turismo: em busca da qualidade de vida (São Paulo, Áurea 2003). E-mail: romeukf@uol.com.br

NOTAS
(1) Esta é a versão atualizada em 2011.
(2) A primeira versão deste artigo foi publicada na Revista Nacional de Reabilitação (Reação), São Paulo, ano V, n. 24, jan./fev. 2002, p. 6-9; e também no livro Mídia e Deficiência, de Veet Vivarta (org.), Brasília: Agência de Notícias dos Direitos da Infância / Fundação Banco do Brasil, 2003, p. 160-165.


Nenhum comentário:

Postar um comentário