Jéssica Messali sofreu grave acidente durante preparação, em julho, mas contrariou expectativas e competirá em Tóquio
Por Hugo Luque* — Ribeirão Preto, SP
A triatleta Jéssica Messali, de 33 anos, protagonizou, nas últimas semanas, uma das grandes histórias das Paralimpíadas de Tóquio, que nem sequer começaram. Na mais recente corrida contra o tempo e as expectativas na carreira, uma das principais esperanças de medalhas para o Brasil superou queimaduras graves e amputações em apenas um mês para poder competir.
No início de julho, poucos dias depois de garantir vaga nos Jogos com uma medalha de ouro na classe PWTC – para atletas que usam handcycle e cadeira de rodas – da Copa do Mundo de Triathlon, na Espanha, a paratleta, que realizava preparação em Portugal, sofreu queimaduras de terceiro grau em uma sauna.
A atividade fazia parte de uma aclimatação ao quente verão japonês, e o resultado foi, no mínimo, desanimador: necrose nos pés, que levaram à amputação de sete dedos e meio. Com isso, as chances de Messali participar pela primeira vez dos Jogos Paralímpicos passou a ser quase nula.
– A lesão foi uma queimadura de terceiro grau, grave, e no final eu fiz a amputação de sete dedos e mais um pedaço de outro. A lesão aconteceu numa sauna seca, aquelas de madeira, pela junção de três fatores. Tenho lesão na medula, sou cadeirante, e por conta dessa lesão, não transpiro nas pernas, e o que protege uma pessoa dentro da sauna é a transpiração. Como não transpiro, não tive essa proteção nos pés. A segunda situação que ocasionou isso foi colocar as pernas para cima, e por eu ser cadeirante, meu retorno venoso, que é a circulação, tem um déficit. Como eu coloquei as pernas para cima, num ato de desinchar as pernas, que eu já faço muito, e elas ficaram bem para cima, quase no teto da sauna, não teve retorno venoso do sangue para os pés. Então eu saí da sauna com os dedos sem circulação, e isso causou a amputação, porque fiquei por 30 minutos na sauna sem retorno venoso. Foram essas três situações que causaram, somadas, a amputação de sete dedos e a queimadura de terceiro grau: a falta de sudorese, a falta de retorno venoso e os meus pés estarem muito perto do teto da sauna, que é o local mais quente – explicou.
A partir de então, Jéssica, acostumada a lutar contra o relógio nas provas do triathlon, iniciou a briga mais intensa de sua carreira para ficar abaixo do tempo esperado. Porém, desta vez, essa “corrida” foi na cama de um hospital, em busca da recuperação.
No total, foram dez cirurgias realizadas em somente 25 dias. Contudo, esses procedimentos poderiam ter sido realizados ainda antes, mas a atleta permaneceu na Europa por mais 11 dias após o acidente, decisão que ela se arrepende, e que poderia ter sido ainda mais prejudicial se fosse prolongada.
– Só me arrependo de não ter voltado para o Brasil logo depois do ocorrido, que foi em 5 de julho. Só consegui chegar ao Brasil em 17 de julho, e perdi 11 dias em Portugal. Se tivesse retornado para me tratar aqui desde o princípio, já teria retornado aos meus treinos. Infelizmente, demorei para voltar ao Brasil e ficar aos cuidados do doutor Bruno [Lisciotto], que ficou responsável por toda a minha recuperação. Tive que ir oito vezes ao centro cirúrgico retirar pele morta, já que não pode tirar tudo de uma vez, precisa ser cauteloso por eu ter pouca gordura nos pés e na pele. Foi muito minucioso o trabalho dele, devo toda essa rápida recuperação ao doutor Bruno. Para ter noção, nem enfermeira fazia curativo nos meus pés, só ele encostou nos meus pés nesses 24 dias que estou no Brasil – relatou Jéssica, que enxergou uma superioridade no tratamento em solo brasileiro em relação ao do Velho Continente.
– Estamos muito confiantes na ida para Tóquio, e devo isso ao médico, à capacidade profissional e humana dele, à compreensão que teve comigo como atleta e à equipe médica do Brasil, que demonstra que o país está muito avançado, algo que não vi em Portugal. Meu retorno para o Brasil foi a decisão mais certa – acrescentou.
Confira o post de Jéssica sobre sua recuperação (atenção: imagem forte do pós-operatório):
Entretanto, o médico que cuidou de todo o processo bem-sucedido divide a responsabilidade, e afirma que a determinação da paciente foi um dos pontos fundamentais para a recuperação ter levado apenas um mês, muito abaixo do tempo normal.Segundo Bruno Lisciotto, que detalhou os procedimentos, a paratleta fez tudo o que foi pedido, e não deixou de se condicionar fisicamente. Nas redes sociais, inclusive, ela celebrou uma das últimas etapas do tratamento (veja acima).
– Ela teve queimaduras de terceiro grau em ambos pés, queimaduras muito graves, com amputação de dedos do pé e de uma parte do pé. Inicialmente, a gente tirou o tecido morto, e depois, para conseguir acelerar, usamos alguns curativos modernos, como o de pressão negativa, a vácuo, fizemos algumas trocas nele, e depois utilizamos a pele artificial para estimular a área da lesão. Depois, fizemos o enxerto da pele, que tiramos da coxa e passamos para os pés, e pegou grande parte, o que deixa ela apta às Paralimpíadas. Esse processo de tratamento de queimadura grave, dessa maneira, leva de dois a três meses para tratar. Ela chegou ao Brasil em 17 de julho, e em duas semanas fizemos praticamente tudo. Ela foi fundamental na recuperação, porque colaborou bastante com os processos, que são difíceis, muitas idas ao centro cirúrgico, conseguiu fazer a câmara hiperbárica, que ajuda no processo de cicatrização, e cuidou muito do curativo. Além disso, ela deu uma treinada para não perder o preparo. A queimadura já está tratada, a única coisa que tem é a área de enxerto, que precisa ser bem cuidada, mas a queimadura, em si, está tratada – detalhou.
Em apenas seis anos de carreira, Jéssica acumulou três títulos mundiais, duas medalhas de prata na World Series, outras duas no Parapan-Americano e um vice na Copa do Mundo, além de dois terceiros lugares na competição. Por isso, se tornou uma das principais esperanças de pódio para o Brasil na estreia da categoria PWTC nas Paralimpíadas.
Após ficar paraplégica em um acidente de automóvel em 2013, a tricampeã do mundo, natural de Jaboticabal, no interior de São Paulo, descobriu, no esporte, sua nova paixão. Durante mais um episódio adverso de sua vida, deu nova aula de superação e, agora, acredita que irá entrar nos Jogos com mais força mental do que qualquer competidora.
A parte psicológica, porém, não deve substituir a falta de preparo físico ideal, segundo Jéssica. A pausa na preparação, causada pelo acidente, pode ter um forte impacto em seu desempenho, mas não muda o fato de que a competidora, mesmo antes da cerimônia de abertura, é medalha de ouro na dedicação para ser personagem principal de uma das grandes histórias que antecedem o maior evento paradesportivo do planeta.
– Lutei nos últimos anos para conseguir minha vaga, estar entre as melhores do mundo e largar nessa prova. Tenho certeza absoluta que irei conseguir [ir às Paralimpíadas]. Minha performance física com certeza não será a ideal, mas depois de tudo que passei, tenho certeza que minha força mental será a mais forte dessa prova. Nesse quesito, ninguém estará mais preparada do que eu – concluiu a triatleta, contente.
As Paralimpíadas começam em 24 de agosto, no Japão, e vão até 5 de setembro. A final do triathlon acontece no dia 29 do mesmo mês.
*Sob supervisão de João Fagiolo
Fonte. https://ge.globo.com/google/amp/sp/ribeirao-preto-e-regiao/paralimpiadas/noticia/triatleta-supera-queimaduras-e-amputacoes-em-um-mes-e-vai-disputar-paralimpiadas.ghtml
Postado por Antônio Brito
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