Intestino e viagens
Duas pessoas me perguntaram, no mês passado, a respeito de cuidados com o intestino: como fazer para ele não nos colocar em situações difíceis, principalmente em viagens?
Então, resolvi transformar a resposta em um post, para que possa ser útil a mais pessoas. O que será que pode ser feito para o intestino ser um aliado, e não um desmancha-prazeres? Veja a seguir!
Se retorcer de dor de barriga em viagens é algo que pode ser evitado em grande parte
Recebi a seguinte mensagem:
Parei de viajar pois estou com muito medo do intestino soltar e não ter lugar. A pergunta é: quando acontece isso com vc, como vc procede? Pra urinar é bem fácil pra mim, mas no caso de evacuar, tem que ter banheiro com tampa no vaso. Me ajuda superar esse medo?
A pergunta é muito pertinente, porque de fato dá medo, afinal não temos como usar qualquer banheiro, nem como sair correndo, né?
Antes de qualquer coisa, porém, vale um alerta: alguns de nós, por causa de lesão na medula, têm intestino neurogênico (ver aprofundamento no Para saber mais, abaixo), outras pessoas têm outras particularidades. Tudo isso tem de ser considerado, embora este post seja mais geral e valha para todo mundo, combinado?
É preciso cuidar bem do intestino no cotidiano, para que ele colabore nas viagens
O intestino é temperamental
É comum as pessoas não se preocuparem com a saúde, até que algo desande. E, todo mundo sabe, o intestino desanda sim, mas pode ser um bom amigo se a gente oferecer os cuidados de que ele gosta.
Para começar, ele é temperamental e costuma reagir quando temos emoções fortes. Algumas irão prendê-lo, outras irão soltá-lo, e por fim pode ser que ele fique meio maluco e a gente alterne entre prisão de ventre e diarreia, o que pode significar síndrome do intestino irritável.
Então, a primeira orientação que te passo é que procure um profissional competente, (1) tanto para orientação quando a situação ainda não for crítica, (2) quanto para ajudar a catar os cacos quando tudo estiver fora de controle (tomara que não chegue a isso).
A troca de experiência neste blog não tem, portanto, a intenção de substituir o auxílio do profissional de saúde, principalmente se você tem o intestino neurogênico devido a uma lesão medular.
Como encontrar vaso sanitário acessível
Não sei se é seu caso, mas eu consigo usar qualquer tipo de vaso sanitário se estiver apertada. Me assento no vaso e faço aquele movimento chamado push-up, que significa segurar nas laterais e suspender o corpo. Mas isso só em emergências, e em tempo recorde, porque normalmente preciso do assento sanitário e de vaso sem abertura frontal para conseguir me equilibrar e fazer as necessidades com calma, levando o tempo que for preciso.
Podendo você fazer push-up ou não, sugiro que tome as mesmas providências que eu. Ou seja, antes de viajar (ou de sair de casa), costumo fazer uma pesquisa para encontrar possíveis banheiros adaptados disponíveis.
Em cidades maiores, é fácil, porque mapeio shoppings, por exemplo. Neles, de modo geral há bons banheiros.
Já em cidades menores, fica mais complicado. Mesmo assim, se não tiver shopping, mapeio hotéis, restaurantes maiores, ou seja, lugares em que há mais possibilidade de ter um banheiro adaptado. E telefono para o local, para saber se tem.
Quando eu não tenho tempo de fazer isso antes de viajar, e preciso olhar banheiro quando já estou na cidade, pego o celular e jogo no Google algo como “restaurantes acessíveis na cidade X” ou “restaurantes adaptados na cidade X” e ligo para o local antes de ir.
E, de modo geral, não vou a bares e restaurantes que não tenham banheiro adaptado, afinal bebidas e comidas podem soltar tudo, e não só o intestino.
Como fazer esse mapeamento?
Para essa pesquisa, consulto o Google, o Google Maps, o TripAdvisor, os apps com informações sobre locais acessíveis (do tipo Guia de Rodas) e os bons blogs de pessoas com deficiência que viajam!
A partir daí, é possível fazer anotações em papel, em arquivos no celular ou no Drive, ou até mesmo um mapinha no Google Maps, caso disponha de tempo.
Nos posts que produzo, é comum que eu insira informações sobre banheiros. Se você também tem blog ou redes sociais, que tal fazer o mesmo, com informações bem objetivas (como é o banheiro, se tem barras, se tem vaso sem abertura frontal, etc.) e até com fotos?
Antes de viajar, faça um mapinha com possíveis banheiros acessíveis
Cuidados regulares
Mas essa pesquisa só resolve em parte, porque, é claro, ela não previne os desarranjos. Para ter um pouco mais de segurança, tenho monitorado meu intestino de forma continuada. Vou te explicar como.
Intolerâncias alimentares
Descobri que tenho intolerância a glúten e a lactose. Por isso, sigo a orientação, passada por nutricionista, de cortar 80% de ambos (não é aconselhável cortar 100%, a não ser que a intolerância seja grave). Assim, os problemas intestinais praticamente cessaram.
Então, se você tem alguma dificuldade com intestino, procure checar se pode ser causada por intolerância alimentar, porque faz uma grande diferença esse tipo de cuidado.
Mas não é suficiente evitar alimentos. Então, vamos ao segundo passo.
Saúde do intestino
Logo que descobri a intolerância, fiz um trabalho para recuperação da flora intestinal, pois sem as “bactérias do bem” o intestino não tem como fazer um trabalho decente… E elas são muito afetadas por antibióticos, diarreias e certos alimentos, por exemplo.
Tomei probióticos (uso Simfort) durante três meses, de acordo com orientação da nutri. E, quando preciso usar antibiótico, após o fim do tratamento uso probióticos durante alguns dias. Faço a mesma coisa se tiver um desarranjo intestinal. Flora intestinal em boas condições significa menos riscos de problemas, pode anotar aí.
Acupuntura também ajuda muito, porque reequilibra todo o organismo. As agulhinhas são eficazes para que eu tenha menos incômodo com gases e colabora para que eu faça o número 2 com regularidade, e as fezes tenham consistência adequada. Você vai rir, mas eu monitoro até o aspecto das fezes… hahaha
Atividade física e ficar de pé também ajudam. No meu caso, pratico pilates regularmente, e em algumas aulas o professor me põe de pé com auxílio de polainas.
“Bactérias do bem” precisam morar no intestino para que ele tenha boas condições de trabalho… 😉
Os cuidados com a alimentação
Nas refeições, é importante se alimentar com a porcentagemadequada de fibras e de carboidratos, de acordo com orientação de nutricionista. Também é preciso tomar a quantidade adequada de líquido, de acordo com suas necessidades. Não vá na onda de que tem que tomar X litros por dia.
É preciso ter cuidado com alimentos gordurosos, principalmente quando ficamos assentados por tempo prolongado, o que pode dificultar a digestão.
Nunca, e não só em viagens, me alimento com comidas muito gordurosas. Por exemplo, se eu comer um acarajé, vai ser num lugar em que está com bom aspecto, bem seco, e eu peço para colocar o recheio sem dendê. Se a comida estiver um pouco mais gordurosa, não bebo álcool (por exemplo, se eu comer uma sobremesa com creme de leite, não tomo álcool na refeição). Dessa forma, garanto menos trabalho para o sistema digestivo. Essas coisas aprendi com a medicina chinesa.
É bom ficar atento para descobrir quais são os alimentos aos quais você é mais sensível. No meu caso, evito pimenta, porque realmente não cai bem. Castanhas de caju têm que ser dosadas, porque mais de uma vez me causaram diarreia e vômito. Álcool tem que ser muito pouco, e não pode ser misturado com nada gorduroso, senão vou ter piriri sim e com certeza.
Água imprópria para consumo
Em viagens, não economize dinheiro com água mineral, a não ser que você tenha se certificado de que é seguro tomar água da torneira, o que em alguns lugares é sim.
Além do risco de contaminação com vermes, ainda há risco de tomar água com muitos minerais, à qual não estamos acostumados. Então, vale uma pesquisa nos bons blogs de viagem antes de se aventurar.
Algo a se considerar quando temos o hábito de comprar garrafas grandes de água mineral para ir repondo a água em garrafinhas pequenas: troque a garrafinha regularmente, mesmo que tenha o cuidado de lavá-la todos os dias, para não haver acúmulo de bactérias no plástico.
São tantas emoções…
Isso tudo precisa fazer parte da nossa rotina, porque não adianta tentar mudar hábitos só quando vamos viajar. Tem que ser algo contínuo, para que o organismo tenha tempo de se recuperar dos estragos anteriores e se desintoxicar.
Mas já notei que, se eu passar por alguma situação que gere grande ansiedade ou medo, as emoções podem desencadear uma diarreia. Se esse for também o seu caso, lembre-se de que a situação pode ser gerenciada com psicoterapia e meditação, entre outras, mas são medidas que exigem investimento de médio e longo prazo.
E sempre, sempre tenha em mente que nada pode ser completamente controlado, não seria o intestino uma exceção. Se precisar, faça terapia para lidar com essa realidade, porque aceitar o fato já ajuda muito…
Mas há como minimizar o desastre…
De qualquer modo, para prevenir ou minimizar os desastres, costumo levar lenços umedecidos na mochila e até uma peça de roupa íntima, assim como fraldas. E, instalado o piriri, forro a cadeira de rodas com algo, como uma toalha mais grossa ou um tecido impermeável. Pelamordedeus, faça isso, senão a sua cadeira pode ficar imprestável.
Sempre tenho soro de reidratação oral na mochila. Assim, caso eu tenha um desarranjo, começo a tomar imediatamente e fico o mais quieta possível, até passar a pior parte. Atualmente, o mercado oferece marcas em pó, que a gente mistura com água na hora de tomar.
As emoções influenciam o funcionamento do intestino
Medidas de última hora? Não, por favor
Espero que essas informações possam te auxiliar a sair de casa com menos medo, tendo sempre em mente que nosso corpo necessita de zelo e carinho constantes. Ele não reage bem às medidas drásticas, e aceita maravilhosamente os cuidados regulares.
Desde que comecei a viajar mais frequentemente, aprendi muito sobre meu corpo, principalmente algo que é óbvio: sem ele eu não viajo. Eu viajo nele, né? Sendo assim, preciso cuidar desse milagre da vida com muito mais empenho do que invisto nos itens mais preciosos que tenho.
Desejo, então, que você faça excelentes viagens, sentindo imenso conforto com seu organismo funcionando da melhor forma que ele puder!
Para saber mais:
A incrível conexão cérebro-intestino
Intestino neurogênico | Guia prático para pessoas com lesão medular
Como lidar com o intestino neurogênico
Reabilitação intestinal de indivíduos com lesão medular