OPINIÃO
- Por Jairo Varella Bianeck
Na vastidão estatística do Brasil, o Censo Demográfico de 2022
revelou números que falam alto — ainda que muitos permaneçam em
silêncio. Dentre os dados mais gritantes está a constatação de que 18,6
milhões de brasileiros convivem com algum tipo de deficiência. Esse
número, que representa 8,9% da população nacional, coloca no centro do
debate uma pergunta: que Brasil é esse que conta corpos, mas esquece
direitos?
O avanço metodológico do IBGE, ao adotar os parâmetros da
Classificação Internacional de Incapacidade e Saúde (CIF/OMS), permitiu
traçar um retrato mais fiel da funcionalidade humana. Não se trata mais
de marcar X em caixas fixas, mas de observar limitações reais no dia a
dia: dificuldades para ver, ouvir, andar, lembrar ou cuidar de si. Ainda
assim, os números não contam toda a história.
O retrato da exclusão
A cada quatro domicílios visitados pelos recenseadores, um abrigava
pelo menos uma pessoa com deficiência. Mas o que essa presença significa
quando ainda há escolas sem rampas, ônibus sem elevadores, ruas sem
calçadas acessíveis, prédios públicos sem intérprete de Libras ou sem
material em braile?
O censo evidencia, mas não resolve, a invisibilidade estrutural de um
grupo que, historicamente, tem seus direitos negados — mesmo estando
explícitos na Constituição e na Lei Brasileira de Inclusão (Lei
13.146/2015). Os dados não escancaram apenas a deficiência física ou
sensorial. Eles revelam a deficiência do próprio Estado em incluir,
ouvir e garantir dignidade.
O paradoxo do nome: ter CPF sem ter acesso
Tal como os mais de 1,2 milhão de brasileiros sem registro civil —
também revelados pelo Censo —, milhares de pessoas com deficiência vivem
uma cidadania pela metade. Elas até existem nos registros, mas não nos
orçamentos. Estão nas planilhas do IBGE, mas não nas prioridades do PAC.
São vistas nas ruas, mas não contempladas nos planos de mobilidade
urbana. São mencionadas em discursos, mas esquecidas nas políticas.
Sem acessibilidade, não há democracia
A Constituição Federal, ao afirmar em seu art. 1º, III, que a
dignidade da pessoa humana é fundamento da República, exige do Estado
muito mais do que intenções. Exige infraestrutura, capacitação,
orçamento, fiscalização. Exige que o acesso universal não seja utopia,
mas política de Estado.
E isso vai além das rampas. Acessibilidade, como ensina a LBI, é um
conjunto de medidas que garantem às pessoas com deficiência a
possibilidade de viverem com autonomia e participarem em igualdade de
condições. Trata-se de garantir direito ao afeto, à arte, à educação, ao
trabalho, à sexualidade e à mobilidade.
O Brasil que conta precisa aprender a ouvir
Não basta saber que quase 19 milhões de brasileiros têm deficiência. É
preciso escutar o que seus corpos, suas rotinas e seus silêncios
revelam. É preciso transformar número em narrativa, estatística em
estratégia, e dado em dignidade.
É hora de o Brasil compreender que cidadania não começa no CPF nem
termina na urna eleitoral. Cidadania se manifesta no piso tátil das
calçadas, na legenda dos vídeos, no atendimento sensível de um médico,
no livro acessível na escola, na presença no mercado de trabalho.
O censo gritou. Agora é hora de agir.
Referências:
IBGE. Censo Demográfico 2022 – Pessoas com Deficiência. Disponível em: https://www.ibge.gov.br
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Lei 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência (LBI)
- * Jairo Bianeck é Advogado dedicado ao direito das Pessoas com Deficiência e Direito de Família.
Fonte https://diariopcd.com.br/2025/05/26/cidadania-interrompida-pessoas-com-deficiencia-e-a-invisibilidade-no-brasil-do-censo-2022/
Postado Pôr Antônio Brito