Recentemente, estava conversando com uma colega professora que tem um filho com autismo* (condição clinicamente conhecida como transtorno do espectro autista ou TEA), que me falou que o neuropediatra de seu filho, por sinal, muito conceituado na cidade, disse-lhe, em uma consulta, que ela e seu esposo não deveriam ter mais filhos, pois o risco de virem a ter outro filho com a mesma condição era muito grande. Ela, por saber que minha área é a Genética Médica, me questionou: o autismo é genético?
A dúvida desta colega e mãe de autista é a mesma dúvida de milhares de pessoas. Na verdade, o autismo ocorre por uma combinação de fatores genéticos e ambientais e não é culpa de ninguém. É a soma desses fatores que fazem com que o TEA se manifeste no indivíduo, por isso, no meio médico é comum tratar o autismo como sendo de origem multifatorial, como o próprio nome já diz, múltiplos fatores, alterações genéticas e fatores externos, ambientais.
E agora entramos na parte genética disso tudo. Não existe gene para autismo, seu filho não herdou gene para o autismo de ninguém. Todos nós temos os genes, porém quando esse gene sofre uma alteração pode ser que isso leve a manifestação de uma condição ou sintoma. Desta forma, para ser autista, o fator genético envolvido é a alteração do material genético conhecida como mutação. Essa alteração pode ter sido um acidente genético no DNA da própria pessoa ou ter sido passado na família.
Ainda não se sabe tudo sobre a origem do autismo, mas o que fica cada vez mais evidente é que tem relação com a produção dos neurotransmissores, que seriam os mensageiros que fazem a comunicação do cérebro com o restante do corpo. Já se sabe que alguns neurotransmissores, como a serotonina, estão reduzidos no cérebro dos pacientes, muito provavelmente devido a um fator genético.
Qual é esse gene que, quando alterado, pode levar ao desenvolvimento do TEA? Eu respondo: muitos… Dos cerca de 20 mil genes que todos possuímos no nosso genoma, 881 podem ter associação com o quadro e destes, pelo menos 71 desses genes, as variantes contidas neles já mostraram aumentar a susceptibilidade ao desenvolvimento do transtorno.
Vale ressaltar que a identificação de fatores genéticos e ambientais possibilita o esclarecimento da origem do TEA em cerca de 20 a 25% dos pacientes apenas. Por ser um distúrbio causado por vários fatores, calcular o risco de o casal ter outro filho com TEA não é uma tarefa fácil, porque é difícil calcular e mensurar a ação de todos os agentes.
O que se pode calcular é um risco relativo, como uma previsão. Desta forma, quando se tem apenas uma pessoa afetada na família, o risco gira em torno de 7-18%. Com dois ou mais familiares de primeiro grau afetados, o risco aumenta, variando de 33% a 55%. O autismo é mais frequente no sexo masculino, afetando cerca de um em cada 68 meninos.
Mas, por que tem mais meninos afetados do que meninas? Essa resposta ainda rende uma boa discussão que eu deixo para um próximo artigo…
*De acordo com o DSM-V (O Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5.ª edição), entre as características clínicas do TEA estão: déficits persistentes na comunicação social e interação social, padrões de comportamento, interesses ou atividades restritos e repetitivos, incluindo estereotipias motoras como movimento repetitivo das mãos e da fala, dificuldades em sair da rotina, interesses restritos. Esses sintomas causam prejuízos importantes na parte social e pedagógica.
* Liya Regina Mikami é doutora em Genética pela Universidade Federal do Paraná e University of Nebraska; mestre em Ciências Biológicas (Biologia Celular) pela Universidade Estadual de Maringá; graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Maringá. Realizou estágio pós-doutoral em Genética Molecular Humana no Centre de Recherches du Service de Santé des Armées (CRSSA), em Grenoble/França. Pós- doutorado em Ciências da Saúde pela PUC/PR, em andamento. Desenvolve projeto de pesquisa na área de Genética Humana em Investigação Clínica e Experimental de Doenças Humanas (Fibrose Cística, Autismo e Fissuras Labiopalatais). Tem experiência na área de Biologia Geral, com ênfase em Genética, atuando principalmente nos seguintes temas: genética molecular humana, fissuras labiopalatais, mutações, autismo, tecnologia do DNA recombinante. Atualmente é professor da Faculdade Evangélica Mackenzie Paraná.
Sobre a Faculdade Presbiteriana Mackenzie
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